Cleiciano das Neves Dantas, 22 anos, morreu na segunda-feira (30) no Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda, no Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape/DF), policiais penais foram acionados por outros presos por volta das 6h40 após o jovem passar mal. Ao chegar à cela, encontraram o rapaz inconsciente e sem sinais vitais. Segundo a pasta, o óbito foi constatado às 6h51 por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Um documento obtido pelo Brasil de Fato DF aponta como causa morte choque hipovolêmico, hemorragia intra-abdominal e ruptura de hematoma subcapsular no baço – termos técnicos que indicam sangramento grave na região abdominal por trauma. A Seape informou que o laudo da causa da morte ainda está em elaboração e que “aguarda o resultado oficial que será emitido pelos órgãos competentes”. Dantas estava preso preventivamente desde o dia 30 de abril.
Para a família do jovem ele foi vítima de espancamento e tortura. “Na hora que eu recebi o laudo – ainda vai sair o laudo completo – fui pesquisar e vi que tinha dado hemorragia interna, pesquisei tudo o que estava falando [no documento], então eu falei: ‘vou ver o corpo dele e tirar foto’. E me surpreendi muito porque ele tava muito, muito machucado, inclusive nas partes íntimas também”. O Brasil de Fato DF teve acesso às imagens que mostram os ferimentos.
A família também contesta a informação de que o jovem estava em cela com outros presos. De acordo com Debora Silva, companheira de Cleiciano Dantas, o aplicativo do sistema prisional indicava que ele estava de “castigo”, termo utilizado para se referir ao Pavilhão Disciplinar, que indica que o custodiado está em isolamento. “Tenho essa mania de tirar print de tudo, então, sempre que ele tava no castigo, eu tirava print. Eu acompanhava o aplicativo 24 horas para ver se tiravam ele do castigo. Um dia antes, no domingo, ele ainda estava lá”.

No período em que ficou sob custódia do Estado, Dantas não pôde receber visitas da família. Questionada sobre o motivo da privação de contato com a família, a Seape informou que para que ocorra “a visitação é imprescindível que a pessoa indicada pelo custodiado conclua o seu cadastro presencialmente no posto da Seape/DF no Na Hora”.
A informação, porém, é contestada pela família, que afirma que as visitas não ocorriam porque o jovem estava de “castigo”. “Quando conseguimos fazer o cadastro da mãe dele, levou um tempo e quando deu tudo certo, a gente viu que ele foi para o castigo. A próxima visita seria na quarta (3/7), mas na segunda a gente recebeu a notícia do falecimento dele”, informou Silva.
O Brasil de Fato DF também questionou a Seape sobre o “castigo”, mas a pasta não respondeu.
Luta por justiça
Cleiciano das Neves Dantas foi sepultado nesta quarta-feira (2). Desde então, a família tem se mobilizado em busca de justiça. Entre as ações, estão denúncias em veículos de comunicação e redes sociais sobre o caso. Um grupo no WhatsApp criado na quarta-feira já reúne cerca de 500 pessoas – muitas delas familiares de presos que denunciam situações de violência e humilhação no sistema prisional do DF.
“Meu filho está preso e fiquei sabendo agora que amanhã (3/7) ele não terá visitas porque está de castigo, foi para o castigo”, disse uma mulher no grupo. Em outros relatos, as pessoas também comentam sobre as comidas servidas aos custodiados da Seape. “Até a comida lá é comida para porcos quando não vai estragada vai mofada, então azeda só porque eles estão presos, mas merecem respeito”, disse outra pessoa.
Sistema superlotado
A situação do sistema prisional do Distrito Federal foi o foco de um relatório do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) apresentado em novembro de 2024. No documento, o órgão aponta que seis das sete unidades prisionais do Distrito Federal estão superlotadas. Isso significa que, nesses locais, o número de presos supera a capacidade máxima de acolhimento da instituição, resultando em condições de encarceramento inadequadas e insalubres.
Em outro relatório apresentado em maio, o MPDFT notificou que entre janeiro de 2022 e o último dia de 2024, o total de presos em celas físicas do sistema penitenciário subiu de 15.181 para 16.168.
Em nota, a Frente Distrital pelo Desencarceramento (Desencarcera DF), observa que o caso de Dantas aponta para uma realidade comum no sistema prisional brasileiro, onde milhares de pessoas têm suas vidas ceifadas. “No Estado de Coisas Inconstitucional – reconhecido pelo STF, essa realidade é comum, e embora não haja pena de morte no Código Penal Brasileiro, milhares têm suas vidas ceifadas dentro do Sistema Prisional, e é quase impossível encontrar um responsável”, destaca a nota do coletivo.
Em outro trecho, a organização observa que “com Cleiciano, o castigo tão forte que deixou marcas muito evidentes”, em referência às imagens que mostram os hematomas no corpo do jovem.
“Lamentamos muito que mais um jovem tenha sido vítima desse sistema tão cruel e massacrante. Jovens como Cleiciano, adoecidos mentalmente, eram tratados de maneira ainda pior pelo Sistema, é o que se torna evidente, pois além dele, Leandro de Oliveira Silva foi também vitimado de maneira semelhante, após ir pro castigo, durante a Pandemia de Covid-19 em 2022, e o caso segue sem um desfecho.”, denuncia outro trecho da nota.
Dados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, apontam que de janeiro a junho de 2025 foram registradas 285 denúncias contra o sistema prisional do DF. Em 2024 foram 1363 casos. Além das condições insalubres de encarceramento causadas por problemas de infraestrutura, as denuncias indicavam que pessoas privadas de liberdade enfrentavam outras violações como tortura e maus tratos, proibição de visitas, incomunicabilidade com a família e baixa qualidade no acesso à alimentação higiene e saúde.
Para Samuel Vitor, militante do coletivo Pelas Vidas Negras do DF, a morte de Cleiciano sob custódia do Estado não é um episódio isolado, mas expõe uma crise que estrutura o sistema penitenciário no DF. “Quando o Estado falha em todos os níveis, não morre apenas uma pessoa, mas o próprio princípio da dignidade humana. O caso de Cleiciano exige justiça e responsabilização imediata. Não permitiremos que mais vidas sejam apagadas por um sistema que deveria ressocializar, não executar”.
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