Movimentos populares e organizações da sociedade civil que integram o Conselho Popular do Brics apresentaram neste sábado (5), no Rio de Janeiro (RJ), a declaração final com suas recomendações aos chefes de Estado do bloco. O documento é resultado de um processo coletivo de quatro meses e será entregue oficialmente durante a cúpula de líderes, marcada para este domingo (6).
A declaração foi construída a partir de sete grupos de trabalho que reuniram organizações dos países-membros e convidados. Os eixos temáticos abordados foram: saúde, educação, ecologia, cultura, finanças, economia digital e a institucionalidade do próprio Brics. O processo envolveu mais de 120 organizações e seguiu o princípio do consenso entre os participantes.
No Teatro Carlos Gomes, no centro da capital fluminense, representantes do Conselho tornaram públicas as propostas e reforçaram o caráter político do documento. Esta é a primeira vez que o Conselho Popular realiza uma reunião presencial com projeção internacional e espaço institucional dentro da programação oficial do Brics.
O texto propõe que o bloco assuma um papel ativo na construção de uma nova ordem internacional, baseada na multipolaridade, na paz entre os povos e na justiça social. Entre as recomendações centrais estão a criação de mecanismos para taxação de bilionários, a desdolarização da economia mundial, o fortalecimento de moedas nacionais, o controle dos paraísos fiscais e a reforma de instituições como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Propostas para nova ordem global
A declaração do Conselho Popular defende uma transformação profunda na arquitetura financeira e política mundial. As propostas incluem a criação de uma convenção tributária global sob coordenação da ONU, com o objetivo de garantir justiça fiscal internacional e impedir a evasão praticada por grandes fortunas.
Também estão entre as medidas prioritárias a ampliação do uso de moedas nacionais no comércio entre os países do bloco, a criação de um sistema de pagamentos próprio do Brics e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, com regras mais transparentes e sensíveis às demandas sociais e ambientais dos países-membros.
“Defendemos que o principal objetivo dos Brics deve ser o combate à desigualdade social e à pobreza. Mas, para isso, é preciso industrializar os nossos países e garantir soberania tecnológica”, afirmou João Pedro Stedile, representante do Brasil no Conselho. “Não basta distribuir alimentos, cada povo tem que ter condições de produzir o que consome.”
O documento propõe ainda que o bloco atue como um ator independente no cenário internacional, mediando conflitos e promovendo a autodeterminação dos povos do Sul Global frente às pressões geopolíticas e econômicas das potências ocidentais.
Justiça climática, soberania alimentar e paz
Na área ambiental, os movimentos defendem que o Brics estabeleça um fundo climático próprio, com foco em mitigação, adaptação e proteção da biodiversidade. Em contrapartida, rejeitam práticas de compensação de carbono que reforçam desigualdades, e propõem uma transição ecológica justa, com proteção social e tecnologias acessíveis.
A soberania alimentar também aparece como eixo central, com propostas para o fortalecimento da produção local de alimentos e o enfrentamento da fome por meio de políticas públicas sustentáveis. O grupo ressalta que segurança alimentar só é possível com reforma agrária, controle sobre os territórios e valorização do conhecimento tradicional.
O texto também faz um apelo à paz global, condena o uso de sanções econômicas e medidas coercitivas unilaterais e manifesta solidariedade ao povo palestino. Os conselheiros cobram que o Brics assuma uma postura ativa na mediação de conflitos internacionais e na defesa de uma ordem global baseada na soberania dos povos.
Sociedade civil cobra participação permanente
Além das propostas temáticas, a declaração traz reivindicações institucionais. Os movimentos exigem que o Conselho Popular seja incorporado de forma permanente à estrutura do Brics, com financiamento, calendário estável e participação garantida nos processos de decisão.
“Nos comprometemos a assegurar o engajamento oficial do conselho com os sherpas e os líderes durante todo o ano, e também a garantir financiamento para suas atividades”, afirmou Raymond Matlala, conselheiro da África do Sul.
Matlala também agradeceu à delegação brasileira por viabilizar o encontro. “Sob circunstâncias difíceis, nossos colegas do Brasil garantiram que pudéssemos estar aqui e que nossas vozes fossem ouvidas”.
“Nossos colegas na Índia vão assumir a tarefa de garantir que o conselho prossiga no próximo ano”, completou.
“Queremos que o conselho tenha vida perene, com secretaria, recursos e participação garantida nas cúpulas. Só os Brics têm hoje a legitimidade política e moral para construir uma nova ordem internacional, com protagonismo dos povos”, declarou Stedile.
Entre as sugestões, está a criação de uma plataforma digital pública do Brics, com transparência sobre documentos, iniciativas e participação dos diferentes segmentos sociais. Também foi proposta a realização anual de cúpulas populares nos países-sede da cúpula oficial.