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O que pensa a(s) Esquerda(s) sobre a Paraíba?

É preciso retomar a construção de um Projeto Popular para a Paraíba, um projeto que supere as enormes desigualdades socioeconômicas ainda presentes

Parte 1

“É chegado o tempo em que a preocupação com a ética, a justiça, o equilíbrio sustentável deve prevalecer. Porque os mais graves riscos nos ameaçam. Podem pôr um termo à aventura humana num planeta ameaçado de tornar-se inabitável.”

 Stéphane Hessel, Indignai-vos! (Editora LeYa)

 “Não te rendas, ainda é tempo

 De se ter objetivos e começar de novo (...)”

  Mario Benedetti, poema publicado no livro Entre los poetas míos

 “Todo Cambia” – Mercedes Sosa

O presente texto é parte de uma série que busca refletir sobre a esquerda paraibana — ou as esquerdas, no plural —, bem como os desafios socioeconômicos, ambientais e o futuro da Paraíba. É um texto com mais perguntas do que respostas, já que a boa reflexão requer muitos questionamentos.

Em 2024, lembramos os 100 anos de um importante documento elaborado por José Américo de Almeida, que tratava dos problemas da Paraíba. José Américo, além de ser um dos nossos maiores nomes da literatura, também foi político e ocupou cargos importantes, a exemplo do governo da Paraíba na década de 1950. Claro que ele não era um político de esquerda nem representava os anseios dos movimentos populares da época. Mas o que quero ressaltar é sua visão, estudo e análise sobre a Paraíba daquele tempo. 

Olhando para os dias atuais, as forças populares, sociais, acadêmicas, sindicais e partidárias de esquerda cresceram — passaram por altos e baixos —, elegemos parlamentares e governos progressistas sob a liderança de Ricardo Coutinho e João Azevêdo. É evidente que há muitas diferenças entre os governos de Ricardo e João. Diria que esse período representa continuidades e descontinuidades nesses quase 16 anos de governos do PSB e aliados. Não entrarei aqui no mérito se esses anos representaram um avanço real de uma agenda popular e de esquerda para o estado. Pretendo fazê-lo em outro momento.

 Algumas perguntas:

O que se entende por esquerda na Paraíba?

É bem verdade que não basta uma sigla ser de esquerda ou centro-esquerda para ser considerada como tal; seus(as) filiados(as) e suas políticas também precisam ser orientadas por essa visão. E não faltam exemplos de políticos(as) que, mesmo em partidos mais à esquerda, não se orientam por essa perspectiva.

Mas insisto em uma definição já explorada por mim anteriormente: basicamente, ser de esquerda é lutar pela igualdade, ser inquieto com a realidade, desejar mudanças estruturais, construir uma nova sociedade — democrática, justa econômica e socialmente, ecologicamente sustentável, cultural e politicamente diversa, fraterna e solidária. Isso nos une? Nos mobiliza? Nos organiza? Nos faz sonhar, construir projeto e caminhar?

Quero me concentrar em nosso momento atual, às vésperas das eleições de 2026:

* Como anda a esquerda?

* Como tem se organizado ou desorganizado?

* O que pensa? Há alguma unidade à vista?

* O que a esquerda teria a dizer hoje aos/às paraibanos/as?

* Qual é sua visão sobre a Paraíba?

* Como pensar a Paraíba no contexto do Nordeste e do Brasil?

* A esquerda tem feito esse exercício?

* O que pensamos sobre os problemas da Paraíba em 2025?

Outra questão é sobre as lideranças de esquerda:

* Elas conseguem aglutinar? Ampliar?

* Dialogam entre si ou estão presas às suas bolhas, preocupadas apenas com a derrota do grupo vizinho — seja nas disputas internas dos partidos ou das nossas diversas organizações?

* Movem-se apenas pelos calendários eleitorais, sofrendo com a loucura de montar chapas e fazer planos às pressas?

* Ou entendem os partidos como espaços permanentes de conversa, formação e articulação para o presente e o futuro? Qual tem sido a real influência das esquerdas nos processos eleitorais dos últimos anos? As nossas divisões, brigas e acusações ajudaram ou prejudicaram?

Qual o espaço das juventudes nas organizações sociais, partidárias e sindicais?

Há uma política de renovação de quadros e de protagonismo jovem?

A plena participação das mulheres é compromisso real das nossas organizações — sociais, sindicais e partidárias — nas instâncias de decisão e nas candidaturas? A esquerda paraibana tem um rosto antirracista e comprometido com o enfrentamento da LGBTfobia? Estamos realmente comprometidos, desde os nossos espaços, com a promoção da igualdade racial e LGBTQIAP+? É real o desafio de vivermos uma cultura da diversidade que se expresse na radicalidade da igualdade?

Temos um conjunto de partidos — PSOL, PT, PSB, PDT, PCdoB, Rede, Mobiliza, UP, PCB, PCBR (se não esqueci algum) — que vão da esquerda mais revolucionária à centro-esquerda mais reformista (se ainda for possível usar esses termos). Alguns são mais próximos entre si, outros bastante distintos. Uns com políticas de alianças amplas, outros contra qualquer tipo de aliança. Ainda assim, julgo que todos compartilham um mesmo campo de classe, em defesa da democracia, da justiça social e ambiental — causas que nos unem e são maiores que as nossas diferenças.

Esses partidos, e não apenas frações deles, conseguem sentar à mesa, tomar um café e conversar? Conseguem refletir sobre o momento atual da Paraíba e propiciar uma caminhada conjunta, mesmo que eleitoralmente não estejam todos no mesmo barco em um eventual primeiro turno de 2026?

É possível criar espaços de diálogo e articulação além do calendário eleitoral, com foco em uma agenda urgente e necessária de esquerda e progressista, para frear o avanço da extrema direita e das políticas neoliberais no estado?

Parte desses partidos também mantém relações com movimentos sociais e sindicais. Seria ótimo se partidos e organizações populares e sociais dialogassem mais, pensassem projetos e iniciativas em vista da articulação e fortalecimento de um campo de esquerda democrático e popular na Paraíba. Isso é possível?

É possível superar divisões internas e externas aos partidos e organizações? Não se trata apenas de uma reunião, de um seminário ou documento, mas de convivência, escuta e construção permanente de um projeto para a Paraíba. Claro, pensar a Paraíba é também pensar o Nordeste, o Brasil — e, mais ainda, nossa posição no mundo. Não somos uma ilha, mas talvez seja necessário começar por ela para podermos dialogar com as demais.

A marcha para 2026

Costumo dizer que, mais importante do que ganhar uma eleição, é saber o que fazer no dia seguinte à vitória — ou seja, qual programa será implantado para atender às inúmeras demandas da população e qual perspectiva de desenvolvimento econômico será seguida.

Não basta ganhar uma eleição; é preciso governar com base em um programa. Caso contrário, essa vitória eleitoral pode se transformar em uma derrota política, gerando frustração com graves consequências para o campo das esquerdas.

Claro que as derrotas de um governo não são apenas de sua responsabilidade. A depender de como estão organizadas as forças de oposição — midiáticas e de outros setores —, sabotagens e ações coordenadas podem impedir até o melhor dos programas de governo de avançar. Mas uma coisa é a derrota eleitoral, outra é a derrota política.

Olhando para 2026, é fácil constatar a fragilidade de uma candidatura com musculatura eleitoral vinda do campo das esquerdas, após o rompimento entre as lideranças de Ricardo Coutinho e João Azevêdo. Soma-se a isso a falta de protagonismo do maior partido de esquerda, o PT, na formação de alianças e na condução de um programa progressista para o estado.

O campo do governo João Azevêdo sofre com a ausência de um(a) sucessor(a) que una sua base atual e, ao mesmo tempo, seja competitivo(a) nas eleições. Além disso, esse possível nome pode representar um distanciamento ainda maior de um programa mais à esquerda, mesmo que esteja vinculado ao nome de Lula.

No campo das oposições, vemos os grupos Cunha Lima e Moraes disputando o protagonismo e a candidatura ao governo, podendo unificar, em uma única aliança, a extrema direita bolsonarista e os descontentes com os governos Lula e João. Assim, podemos ter dois grandes palanques:

1. O da sucessão de João Azevêdo;

2. O das oposições.

A candidatura das oposições, cada vez mais, aponta para o nome de Pedro Cunha Lima, cuja chance de vitória precisa ser considerada. Evidentemente, todos que disputam uma eleição têm chance de vencer. Mas, olhando para o final do governo João, o palanque de Pedro poderá ser o palanque da eventual candidatura do governador Tarcísio de Freitas ao Palácio do Planalto, unificando o campo contrário à reeleição de Lula na Paraíba.

No campo do governo João, permanecem perguntas fundamentais sobre sua sucessão:

* Ele deixará o governo para disputar uma cadeira no Senado?

* O vice-governador, Lucas Ribeiro, assumindo o governo, será o candidato da base atual? Será o candidato da agenda de Lula para o Brasil e para a Paraíba?

O governador João Azevêdo e o vice Lucas Ribeiro têm dialogado com as esquerdas de forma ampla, para além de alianças pontuais com uma ou outra liderança?

Algumas linhas iniciais sobre a Paraíba

É preciso retomar a construção de um Projeto Popular para a Paraíba, um projeto que supere as enormes desigualdades socioeconômicas ainda presentes em nosso território.

Um projeto que promova políticas econômicas orientadas para a igualdade, para a sustentabilidade ambiental, com respeito e valorização da nossa cultura e das nossas diversidades, e com ampla participação e radicalidade democrática.

É fato que, nos últimos anos, os indicadores da Paraíba melhoraram:

* A economia cresceu;

* Houve geração de emprego e renda;

* Avançamos nos índices educacionais e de saúde;

* O turismo vem sendo uma das principais frentes de investimento, sobretudo no litoral;

* Obras importantes, nas últimas décadas, se espalharam pelo interior do estado.

Contudo, ainda estamos na 21ª colocação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os estados da federação. A renda nominal domiciliar mensal per capita gira em torno de R\$ 1.401, colocando a Paraíba na 19ª posição nacional. Esses dados impõem a necessidade de um projeto político que tenha como centro o enfrentamento às desigualdades. (dados do IBGE)

É preciso pensar a Paraíba:

* Na sua diversidade territorial e cultural;

* Nos desafios do transporte intermunicipal e na situação dos terminais rodoviários, por onde circula a maior parte da população;

* Na produção de energias renováveis, de forma sustentável, distribuída, sem afetar o meio ambiente nem expulsar famílias de seus territórios;

* Em uma educação democrática e de qualidade;

* Na regionalização da saúde;

* Em uma política de apoio à produção agroecológica e familiar;

* Em um turismo descentralizado, com sustentabilidade social e ambiental;

* No novo mundo do trabalho;

* Na indústria do século XXI;

* Na relação da sociedade com os processos de participação e monitoramento das políticas públicas.

Nos próximos meses, uma das tarefas mais importantes será organizar e mobilizar o Plebiscito Popular pelo fim da escala 6×1 e pela isenção do Imposto de Renda — uma oportunidade valiosa de diálogo nas bases e de construção política.

Esses e outros desafios serão abordados no próximo texto.

Fica a intenção de avançarmos neste debate sobre o presente e o futuro da Paraíba — e sobre como nos organizamos para os desafios eleitorais e políticos de 2026.

Caminhemos!

Roberto Jefferson Normando; Formação em Filosofia; Coordenação do Fórum Pró-Campina


                      
                      
                                            
                                          

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