“Essa mudança de paradigma reconhece que a mobilidade urbana tem efeitos positivos para toda a cidade, não apenas para quem usa o ônibus”, afirma Margarida Salomão (PT), prefeita de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, em entrevista ao Brasil de Fato MG. O município pode se tornar o primeiro com mais de 500 mil habitantes do país a implantar a Tarifa Zero de forma permanente no transporte coletivo.
A proposta, enviada pela prefeitura à Câmara Municipal, representa uma mudança profunda no modelo de financiamento do setor: em vez de o custo recair sobre os usuários, o sistema será sustentado por um fundo coletivo, com contribuições de empresas com mais de dez funcionários.
Salomão defende a medida como um “avanço civilizatório”, com impactos diretos na vida de trabalhadores, estudantes e moradores das periferias. A gestora também ressalta os ganhos econômicos e ambientais que a Tarifa Zero pode trazer ao município, com base em estudos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e afirma que coragem política e diálogo são essenciais para superar resistências e ampliar o direito à cidade.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Prefeita, a senhora define a Tarifa Zero como um “avanço civilizatório”. Pode explicar o que isso significa na prática, especialmente para as populações mais vulneráveis de Juiz de Fora?
Margarida Salomão – A Tarifa Zero é um avanço civilizatório porque garante a mobilidade como um direito básico de cidadania. Na prática, ela remove uma das principais barreiras de pleno acesso à cidade: o custo da passagem. Para parte da população, especialmente das periferias, isso significa mais possibilidades de estudar, trabalhar, buscar atendimento de saúde e acessar bens culturais e de lazer. É uma forma concreta de promover inclusão, equidade e justiça social, fortalecendo o direito à cidade como prática cotidiana e não apenas um ideal abstrato.
A proposta rompe com o modelo tradicional de financiamento do transporte público. Como a senhora avalia a mudança de paradigma ao transferir o custeio do usuário individual para um fundo coletivo?
Estamos superando a lógica do transporte público como serviço pago exclusivamente pelo usuário individual e passando a tratá-lo como uma política pública essencial, como saúde e educação. Essa mudança de paradigma reconhece que a mobilidade urbana tem efeitos positivos para toda a cidade, não apenas para quem usa o ônibus. O fundo coletivo, custeado por empresas com mais de dez funcionários, democratiza o acesso e potencializa o impacto econômico da circulação de pessoas no município.
Uma das bases do fundo são as contribuições de empresas com mais de dez funcionários. Como foi a recepção desse setor ao projeto e que diálogo a prefeitura tem estabelecido com esses empregadores?
A proposta está sendo construída com responsabilidade e diálogo. O modelo é semelhante ao do vale-transporte, já praticado hoje, e não representa um custo novo, mas uma reorganização dos encargos. Pequenos negócios estão isentos, o que protege o empreendedorismo local. Com os maiores empregadores, temos mantido canais abertos para esclarecer dúvidas e apresentar os ganhos econômicos que a política trará, inclusive para o setor produtivo, como aumento no consumo e dinamismo da economia. Serão diversos encontros para tratarmos do tema, da forma mais democrática possível.
O programa “Domingão do Busão” indicou aumento de 14% na demanda. Qual a estrutura que a cidade tem para absorver o crescimento estimado de até 30% na circulação de passageiros diariamente?
A experiência com o “Domingão do Busão” nos deu segurança para projetar a expansão do sistema. A política de Tarifa Zero traz previsibilidade de receitas e permite planejamento de longo prazo. Também estamos atentos à modernização da frota, para que o serviço oferecido preze pela eficiência e segurança.
A senhora mencionou que 36% dos usuários já são isentos da tarifa atualmente. Qual o impacto esperado na vida de quem hoje ainda paga, especialmente trabalhadores e estudantes da periferia?
Para essas pessoas, a Tarifa Zero representa um alívio direto no orçamento mensal. Em muitos casos, são R$ 200 ou R$ 300 a mais por mês que podem ser redirecionados para alimentação, saúde, educação e cultura. É uma política que atua como transferência indireta de renda, com impacto imediato na qualidade de vida e no bem-estar das famílias, auxiliando também em áreas como a empregabilidade e o acesso a serviços como a saúde, por exemplo.
Quais são os próximos passos no trâmite legislativo e como a prefeitura está articulando apoio dentro da Câmara Municipal para aprovação da proposta?
O projeto já foi enviado à Câmara Municipal e contamos com a sensibilidade dos vereadores e vereadoras que, em diversas ocasiões, já manifestaram apoio à ampliação da gratuidade, como no caso do Passe Livre Estudantil e do Domingão do Busão. A articulação com o legislativo está sendo feita com transparência, diálogo e base em dados concretos que comprovam os benefícios sociais e econômicos da proposta. E ainda há, como já mencionado, o diálogo com diversos setores empresariais.
Estudos da UFJF indicam crescimento no consumo e na geração de empregos. Como o município se prepara para aproveitar e potencializar esses efeitos econômicos positivos?
A Tarifa Zero gera um efeito multiplicador na economia: aumento de quase 30% no consumo das famílias até 2040, crescimento de 28,6% nos investimentos e 9,1% no emprego. Estamos articulando políticas de desenvolvimento local que aproveitem esse impulso, como incentivos ao comércio de bairro, qualificação profissional e estímulo à economia criativa e solidária. É uma oportunidade para fortalecer a economia de Juiz de Fora com base na inclusão e na sustentabilidade.
A proposta também tem um forte componente ambiental. Como a prefeitura pretende avançar na renovação da frota com veículos menos poluentes e qual o papel da Tarifa Zero nesse processo?
A Tarifa Zero é também uma política ambiental. Ao incentivar o uso do transporte coletivo, ela reduz potencialmente a circulação de carros, os congestionamentos, e as emissões de gases de efeito estufa que, no Brasil, vêm majoritariamente do setor de transportes. Além disso, a previsibilidade orçamentária do fundo permitirá avanços na substituição da frota, com ônibus elétricos ou movidos a gás metano, produto que o município estuda produzir localmente.
O que a senhora diria para outras cidades brasileiras que desejam implementar a Tarifa Zero, mas enfrentam resistência política ou dúvidas sobre viabilidade econômica?
Diria que coragem e compromisso com a população são fundamentais. A viabilidade econômica existe, como mostram os estudos da UFJF, e os ganhos superam amplamente os custos. A resistência à proposta pode ser superada com diálogo, transparência e evidências das vantagens, inclusive (mas não somente) a econômica. A Tarifa Zero é um investimento no futuro das cidades, porque promove justiça social, ativa a economia local e responde ao desafio ambiental do nosso tempo. Juiz de Fora está mostrando que é uma mudança possível. E para melhor.