A taxação extra de 50% a produtos brasileiros, anunciada nesta quarta-feira (9) pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tornou-se rapidamente o principal assunto nas redes sociais, e, também, objeto de disputa de narrativas. Termos como “soberania”, “traidores da pátria” e “respeitem o Brasil” se mantiveram entre os mais usados na rede social X desde o anúncio.
Segundo um levantamento do instituto de pesquisa e inteligência de dados Nexus, o tema acumulou mais de 240 milhões de impressões e 9,1 milhões de curtidas no X até a manhã desta quinta-feira (10). A grande maioria dos conteúdos e comentários é contrária à sobretaxa anunciada pelo presidente estadunidense.
Entre integrantes da esquerda, não cabem dúvidas sobre a condenação à medida. Há, no entanto, diferentes leituras sobre a forma como o governo deve reagir.
Nas redes, o Partido dos Trabalhadores (PT) iniciou uma campanha sob o mote “O Brasil é soberano”, sendo replicado por boa parte dos parlamentares e figuras públicas do partido.
O ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), replicou a mensagem em um vídeo no qual condena a sobretaxa de produtos brasileiros pelos Estados Unidos e responsabiliza “os bolsonaristas” por “promoverem uma campanha contra o Brasil”.
“É um momento delicado, é um momento difícil, mas é o momento de saber quem é quem. Nós estamos em uma guerra. E numa guerra, aqueles dentro do território que se aliam ao inimigo são tratados como traidores, como quinta coluna, esse é o termo que se utiliza na guerra. O que nós estamos assistindo hoje é um ato de sabotagem, é um ato contra o Brasil. Os bolsonaristas estimulam, organizam, promovem uma campanha contra o Brasil”, afirmou no vídeo em que cita o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao questionar: “De que lado vocês estão?”.
A deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) qualifica a taxação de produtos brasileiros anunciada pelos Estados Unidos como um ataque direto à soberania econômica do Brasil e culpa a família Bolsonaro pela medida. “É uma chantagem a serviço do projeto político da família Bolsonaro, que não tem qualquer compromisso com o povo brasileiro, apenas com seus próprios interesses”, afirmou.
Para a parlamentar, a reação do governo foi firme, mas ainda é preciso ganhar a disputa da comunicação. “O governo reagiu com firmeza, mas também tem a oportunidade de comunicar, ao povo brasileiro, e também aos próprios financiadores do bolsonarismo, que esse tarifaço deixou de ser um ato isolado de política externa”, observa Santos.
“Isso vai atingir diretamente empregos, cadeias produtivas e setores importantes da economia brasileira. E, para os empresários e investidores que ainda alimentam ilusões com essa política de Bolsonaro e da direita, é preciso mandar um recado claro: o bolso de vocês vai sentir. O dinheiro de vocês, os negócios de vocês, também estão em risco com esse tipo de alinhamento submisso e antinacional”, declarou a deputada ao Brasil de Fato.
Por sua vez, a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) afirma que o “ataque de Trump é gravíssimo”, pois tem o “claro objetivo de desestabilizar o Brasil para interferir em suas decisões internas”. A parlamentar considera que esse é o momento para reafirmar bandeiras históricas da esquerda e avançar em pautas estruturantes.
“O momento escancara o quanto é importante a luta pela nossa soberania e a luta anti-imperialista. É importante que a esquerda faça essa disputa nas redes e nos canais oficiais de comunicação. Além disso, construir uma ofensiva para que medidas que fortaleçam nossa economia, que a torne menos dependente do mercado externo, também são importantes para avançar de fato nessas lutas”, avalia Bomfim.
Quebrar o monopólio do patriotismo e discutir um projeto nacional
Para a cientista política Ana Penido, o momento é propício para quebrar o monopólio que a direita estabeleceu sobre os símbolos pátrios, mas é preciso ir além. “Acho que é possível sim aproveitar a oportunidade para discutir o que que é um projeto nacional”, avalia. “O governo pode fazer e deveria politizar a questão nacional para além de diferenciar o que é esse patriotismo. Mas de fato, o que que é um projeto nacional? Um projeto nacional é querer que o Brasil seja melhor para todos os brasileiros. Isso passa por saúde, educação, desenvolvimento, saneamento, e inclusive, passa por ter mais autonomia como país para tomar suas melhores decisões, ainda que contrarie um ou outro parceiro internacional em determinado momento”, observa a cientista
“Países não têm amigos, países têm interesse”, segue Penido. “E nesse sentido, o [Donald] Trump está sendo muito didático para o mundo inteiro. O problema é quando a gente tem cidadãos brasileiros, como Eduardo Bolsonaro, trabalhando pelos interesses dos cidadãos dos Estados Unidos e pelos interesses da família dele”, completa a especialista que diz não cultivar expectativas sobre uma reação mais enérgica do Itamaraty, “pelo perfil da da diplomacia brasileira”.
“Eu não acredito que vá se começar um amplo processo de discussão sobre o que significa ser nacionalista num país de periferia. Esse não é um debate de agora, é um debate do século passado inteiro sobre qual é o significado de nacionalismo em um país do Sul Global. Tem espaço para retomar esse debate, mas não vislumbro uma reação dessa natureza pelo perfil da diplomacia brasileira”, finaliza.
“Tiro no pé”: direita se divide
Do outro lado, a direita segue dividida. Parte do bolsonarismo já enxerga a medida como um “tiro no pé”, e busca encontrar um discurso que retire do clã Bolsonaro a responsabilidade pelos efeitos da medida de Trump, que não chegam a condenar. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo, foi à rede X dizer apenas: “A culpa é do Lula”. Em outra postagem, outra frase curta: “Lula ferrou o Brasil”, sem qualquer contextualização.
Também no X, o senador Sérgio Moro (União-PR) adotou uma postura diferente, criticando diretamente a medida de Trump, qualificando-a como “um grande erro”, e dizendo que “é hora de atuar com diplomacia firme e serena para reverter”. Ao final, no entanto, ele repete a tentativa de colocar no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo menos parte da culpa pela crise.
O próprio Jair Bolsonaro (PL), citado por Trump na carta enviada ao governo brasileiro e principal beneficiário de suas publicações a respeito do Brasil, não se manifestou publicamente sobre a taxação. Na noite de quarta, após o anúncio da medida, o ex-presidente publicou um provérbio, com interpretação dúbia: “‘Quando os justos governam, o povo se alegra. Mas quando os perversos estão no poder, o povo geme’ – Provérbios 29:2.”
Na manhã desta quinta, Bolsonaro publicou uma mensagem em homenagem ao filho, Eduardo Bolsonaro, por ocasião de seu aniversário. O deputado federal licenciado está nos Estados Unidos, e é visto como um dos articuladores dos ataques do presidente estadunidense ao Brasil.
Até o início da tarde desta quinta, nem o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), haviam se manifestado.