A escritora e pesquisadora Ana Rüsche é a convidada desta quinta-feira (10) do BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. No programa, ela comenta os bastidores do recém-lançado Carga Viva, segundo romance de sua carreira, que parte de 1985, ano marcado pela epidemia de HIV/AIDS, pela campanha das Diretas Já e pela morte do ex-primeiro-ministro e presidente eleito Tancredo Neves, para imaginar um presente alternativo onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca chegou à presidência e a também ex-presidente Dilma Rousseff (PT) não sofreu um golpe.
“A ficção não traz resposta, mas ela traz pelo menos essa necessidade de conversar sobre esse período”, explica a autora. Segundo ela, o romance foi uma maneira de refletir tanto sobre o Brasil dos anos 1980 quanto sobre as perdas da pandemia de covid-19, que também não tiveram espaço para rituais de despedida. “Essas mortes são mortes políticas, embora geralmente não as tratemos assim”, afirma.
Rüsche conta que a obra foi escrita entre 2020 e 2023, e tem como um dos protagonistas Cacá, personagem soropositivo que recorre a uma substância fictícia, o Prata Viva, para aumentar sua imunidade. A droga, inspirada em estudos sobre LSD e fungos, também provoca alucinações e uma espécie de sonho coletivo. “Você muda um pouco essa noção de indivíduo ao tomar essa substância”, descreve.
Além de abordar o estigma em torno do HIV, Carga Viva também é atravessado pela questão climática, tema que a autora pesquisa academicamente e que, segundo ela, já não cabe mais apenas no universo da ficção científica. “Hoje me parece até que no realismo não dá mais para fugir disso. Mesmo se você vai escrever uma história romântica sobre um casal, se eles não passarem por uma enchente, não vai parecer muito verossímil”, exemplifica.
Ao comentar o desafio de tratar temas como crise climática ou crise do capitalismo sem cair no tom panfletário, Rüsche defende o poder da ficção de encantar. “Para escrever o Carga Viva, pensei muito nessa relação do amor mesmo. O que é amar no século 21? Amar a minha irmã? Amar a minha pesquisa? Amar meu companheiro? […] A graça da ficção é você envolver a pessoa por algo que ela acha que conhece, e quando vê, já está em outro lugar”, diz. “A literatura consegue tocar em temas que outros tipos de texto, às vezes, não conseguem, porque ela entra num lugar insuspeito, o do divertimento, do lazer, do querer pensar diferente”, relata.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.