A Bolsa de Valores de Caracas teve um aumento muito acima do comum. Desafiando as análises catastróficas sobre a economia venezuelana, o IBC (Índice Bursátil Caracas) registrou uma valorização de 232% no primeiro semestre de 2025 e mais de 300% nos últimos 12 meses. De acordo com as plataformas que monitoram o movimento das bolsas ao redor do mundo, essa foi a maior alta registrada no mercado financeiro neste ano. Mas o que isso significa?
Grosso modo, que o valor geral dos ativos negociados na bolsa está aumentando. Esse é um sinal muito positivo do mercado e faz referência a diferentes fatores: crescimento econômico, desempenho das empresas e confiança dos investidores.
No caso venezuelano, esse crescimento ficou muito acima das principais bolsas do mundo. Para comparar com outras bolsas globais, o Brasil de Fato pediu à Bolsa de Caracas a valorização em dólares. Na moeda estadunidense, a variação foi de 53% neste ano. O aumento ainda é expressivo em relação às principais bolsas de Wall Street, que subiram quase 10 vezes menos: a Nasdaq teve um aumento de 6,73%, a S&P subiu 6,49% e o índice Dow Jones 4,5%.
O IBC venezuelano mede o desempenho das 37 empresas listadas na Bolsa de Caracas e, por tabela, o desempenho do mercado em que elas operam. Para isso, é usado um número de referência calculado em pontos. No fechamento do dia 10 de julho, esse valor estava em 396.202 pontos. No primeiro dia do ano era de 119.800.
Nesse período, as 3 empresas venezuelanas que mais valorizaram foram: Mercantil Serviços Financeiros, Banco de Venezuela e o Banco Nacional de Crédito (BNC). Outro aumento significativo foi no mercado secundário da dívida privada, onde são negociados títulos privados e outros títulos de dívida. Tudo isso teve um aumento de 115%.
Mas mesmo com uma das maiores valorizações do mundo, a Bolsa de Valores de Caracas ainda é pequena, com valor de todas as ações negociadas este ano de US$ 5,8 bilhões (R$ 32 bilhões). Esse montante é praticamente o mesmo do que é negociado em apenas um dia na B3, a Bolsa de São Paulo, que, em 2024, negociou em média R$ 29,84 bilhões por dia.
De acordo com o sociólogo e mestre em comunicação política Franco Vielma, o baixo nível de transações tem dois fatores. O primeiro é a “guerra econômica” sofrida pela economia venezuelana nos últimos 10 anos. Os ataques contra o mercado petroleiro venezuelano diminuíram não só a capacidade de investimento do estado, como levaram o país a uma hiperinflação e uma desvalorização exponencial da moeda local, o bolívar. Tudo isso fez com que os investidores tirassem o investimento do país e reduzissem ainda mais as movimentações de uma bolsa considerada pequena.
O segundo ponto é uma cultura de pouco investimento que existe na Venezuela.
“O número de operações é muito pequeno, principalmente pelos ataques dos últimos anos. Tradicionalmente, a Bolsa de Caracas tem uma pequena capitalização porque a cultura é muito atrasada, as empresas são familiares, a maioria tem capital aberto, que usam o mercado de ações para capitalizar por investimento a partir da compra de títulos. Algumas das principais empresas não estarem na bolsa é um traço da inércia da nossa economia”, disse ao Brasil de Fato.
Mesmo assim, o crescimento fica ainda mais escancarado se considerarmos uma outra bolsa latino-americana importante. O presidente argentino ultraliberal Javier Milei se orgulha de fazer uma gestão que “recuperou” a confiança dos investidores na Argentina. Não é o que mostra a bolsa de valores do país. Em 2025, o índice Merval desvalorizou 18,35%, bem pior que a da rival política regional, a Venezuela.
Um dado relevante para os investidores venezuelanos é que a Bolsa de Caracas não só teve um crescimento expressivo, como apresentou um crescimento acima da inflação. De acordo com a instituição privada Observatório Venezuelano de Finanças (OVF), o índice de preços foi de 229% em maio. Esse aumento acima da inflação é relevante porque mostra uma capacidade maior do investimento em relação ao ciclo de aceleração dos preços.
Esse aumento dos investimentos também ficou mais acelerado do que a desvalorização da própria moeda local, o bolívar, que desvalorizou 213% neste mesmo período.
Para os operadores do mercado, essa grande valorização da bolsa venezuelana pode ser explicado por diferentes fatores. O primeiro é um maior interesse e expectativa positiva dos investidores nacionais em um movimento de melhores expectativas em relação à economia venezuelana. Mesmo com a aceleração da inflação nos últimos meses, o país deixou um cenário caótico de descontrole cambial e hiperinflação.
Ele indica que os investimentos internacionais estão muito voláteis e que os preços de algumas commodities apresentam uma alta considerável, o que leva a muitos venezuelanos a apostarem em empresas venezuelanas destes setores.
“O interessante é que esse capital, que antes seria destinado a investimentos estrangeiros, agora está sendo investido em empresas venezuelanas, devido ao desempenho, por exemplo, de ações de empresas do setor financeiro e agroindustrial, que oferecem grande segurança e rentabilidade”, afirmou Vielma.
O aumento expressivo na valorização da Bolsa de Caracas também se dá justamente pela baixa movimentação do mercado venezuelano. Em meio a uma comercialização pequena de ações, qualquer aumento se torna uma aceleração expressiva.
Os investimentos mostram também, para Vielma, um capital ocioso que está sendo injetado em empresas listadas na bolsa, o que mostra um momento de “transição” para a economia venezuelana. A compra de ações e títulos colocam para girar um dinheiro resultado de um superávit das empresas. Elas deixam de investir só em capital fixo para começar a investir em operações de risco.
Políticas para empresários
Os investimentos também refletem uma aproximação do governo de Nicolás Maduro com empresários venezuelanos. Desde as eleições presidenciais do ano passado, o chavista se reuniu algumas vezes com donos de empresas do país para fazer um aceno e anunciar medidas em apoio a este setor.
A principal delas foi a eliminação do Imposto sobre Grandes Transações Financeiras (IGTF) em bolívares. A abertura de capital também tem sido uma política do chavista que ajuda neste sentido.
A criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) para a atuação de empresas estrangeiras no país demonstra a preocupação de Maduro na atração de investimentos privados, o que movimenta ainda mais o mercado de ações venezuelano. Além disso, o estímulo a linhas de crédito promovido pelo governo mostram que as empresas que mais apresentaram crescimento no período estão ligadas ao setor bancário.