Para a surpresa dos fãs — e da própria artista — em um intervalo de menos de um mês, Luedji Luna lançou dois novos discos: Um Mar Pra Cada Um e Antes Que A Terra Acabe.
O primeiro conta com uma releitura dos acordes de Luiz Melodia e da voz de Gal Costa, além de citações de Beatriz Nascimento, por exemplo. Já o segundo, parcerias com Seu Jorge, Milton Nascimento, MC Luan, e outros. Em entrevista ao Conversa Bem Viver, a cantora, que hoje é um dos grandes nomes da música brasileira, conta como foi o processo de elaboração dos álbuns.
“Antes que a Terra Acabe é um disco hedonista, é a expressão do desejo e do prazer. Isso aparece de forma muito literal em várias canções. É um disco terreno, telúrico, ordinário, físico e material. Já em Um Mar Para Cada Um, eu busco sopros, imaterialidade, essa coisa mais etérea”, compara.
Dona do hit Banho de Folhas, presente em Um Corpo no Mundo, ela também convida o público a conhecer que corpo é esse que, ao longo de toda a sua carreira, demonstra ser diverso, potente e vinculado às questões que tocam a realidade social.
“Eu já estou há muitos anos com vários trabalhos dizendo que eu sou livre e estou para além do estereótipo da cantora baiana, festiva, celebrativa, carnavalesca, que uma música, um hit meu, dentro de todo o meu repertório, traz”, enfatiza.
Luedji Luna também comenta sobre os motivos que a levaram a sair de Salvador e se mudar para São Paulo, onde também decidiu ter e criar o seu filho Dayo.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Todo mundo ficou felizmente surpreso com o lançamento de mais um novo álbum. Foi uma surpresa para você também ou só para os fãs?
Luedji Luna – Para mim também. Eu comecei, no fim de 2023, a ventilar algumas canções e pensar no disco. Era para ser só um disco. Não entendia, no início do processo, quantas músicas seriam, mas foi a primeira vez que eu fiz um disco assim com um tempo dilatado, entre 2024 e 2025.
No processo, foram surgindo canções e mais canções e mais canções e mais canções. Quando eu vi, estava com bastante músicas e não queria me desapegar de nenhuma delas. Eu gosto de criar universos com os meus trabalhos.
Então, na medida em que fui produzindo algumas músicas, fui também ordenando elas ordem, vendo o que fazia sentido, se uma canção estava dialogando com a outra em termos de som ou em termos ali de temática. E, assim, Um Mar Para Cada Um nasceu e se impôs. Não fazia sentido para mim tentar colocar as canções excedentes em um disco que já existia, porque ali já tinha se criado um universo, com textura própria. Também foi assim que nasceu Antes que a Terra Acabe, a partir das canções excedentes que não couberam e que não faziam sentido em Um Mar Para Cada Um.
Então, foi uma surpresa para mim também. Como eu fiz um disco com um tempo mais prolongado, mais dilatado, pude ter tempo para refletir sobre essas canções e compreender qual história eu estava contando com um disco e qual história eu contaria com outro.
Ainda assim, algumas canções ficaram de fora. Outras entraram no último momento, como Requinte, que foi uma canção que o Zudizilla estava produzindo o beat, eu falei “quero esse beat”. Eu tinha um texto na cabeça e compus em cima. De repente, foi uma das últimas que entraram, enquanto outras ficaram de fora.
Então, eu me deixei levar pelo processo, pela fluidez. Por isso, nasceu como nasceu, um disco geminiano, e ambos são caros assim para mim.
Como você lida com o exercício de construir álbuns com identidade própria? As composições vêm a partir da sua experiência?
Eu tenho um grande hit e a cilada disso é que o hit pulveriza a sua música e o seu nome, te traz determinado sucesso e fama, mas as pessoas sempre esperam de você uma produção parecida com o hit.
No meu caso, foi o Banho de Folhas, uma canção do meu primeiro disco, Um Corpo no Mundo. E, já nesse álbum, a música destoava, porque ele não era sobre o hit. Seria muito importante as pessoas compreenderem o meu trabalho como um todo.
Acho que a outra cilada do hit é que, como ele é o que se torna mais famoso e se populariza, as pessoas começam a te identificar e limitar a partir daquela canção.
Um Corpo no Mundo já não era sobre Banho de Folhas, que é só um fragmento de toda a complexidade do álbum. No meu segundo trabalho, Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água, eu não entreguei nada parecido com Banho de Folhas e não entreguei outro hit.
Eu já estou há alguns anos me colocando no mundo dessa maneira. Eu estou para além dos hits e as pessoas precisam escutar o álbum inteiro para compreender quem eu sou. Eu ratifico isso disco após disco.
Então, quando eu faço esses dois últimos discos, com essa sonoridade, experimentação com o jazz e o soul, não é fazer uma contraposição ao meu hit ou ao que as pessoas esperam de mim. É só que eu já tenho feito isso. Eu já estou há muitos anos com vários trabalhos dizendo que eu sou livre e estou para além do estereótipo da cantora baiana, festiva, celebrativa, carnavalesca, que uma música, um hit meu, dentro de todo o meu repertório, traz.
Eu não fiz Um Mar Para Cada Um e Antes que a Terra Acabe na perspectiva de negar esse estereótipo, nem pensei nisso, porque é algo que eu já venho mostrando e demonstrando ao longo da minha carreira, que eu não sou só Banho de Folhas.
O nome Antes que a Terra Acabe é muito forte. Quais são os principais sentidos do disco?
Ao contrário do primeiro disco, o Antes que a Terra Acabe é um disco hedonista, é a expressão do desejo e do prazer. Isso aparece de forma muito literal em várias canções. É um disco terreno, telúrico, ordinário, físico e material. Já em Um Mar Para Cada Um, eu busco sopros, imaterialidade, essa coisa mais etérea.
Eu construí esse disco no ano de 2024 e a gente segue nesse contexto apocalíptico e distópico. Há um conjunto de coisas acontecendo com a humanidade, com o planeta, que passa pela crise climática, com o que a gente viveu, por exemplo, no Rio Grande do Sul e com o superaquecimento das grandes metrópoles, até a distopia da inteligência artificial e as guerras.
Quando eu lancei o Antes que a Terra Acabe, coincidentemente — eu não acredito em coincidência — estavam tendo os bombardeios no Irã. Eu não consigo estar alienada ao que está acontecendo no mundo. Eu compreendo que algo está acontecendo, em várias dimensões, não só política, não só climática, mas também o que está por vir em termos de tecnologia e como isso vai afetar nossas relações e as nossas produções intelectuais.
O porvir é algo muito incerto, mas uma coisa certa é que estamos em transição, as coisas estão mudando. O Antes que a Terra Acabe não vem no sentido bíblico de que “vai cair um meteoro” ou “Jesus vai voltar”, mas o mundo, tal qual conhecemos hoje, vai se transformar, algo vai cair por terra para que o novo surja.
Então, o que eu estou dizendo nas canções é que, diante de tudo isso, há uma urgência maior, a urgência de desejar, de amar e de ser amada, de dar conta dos meus desejos e do prazer. Eu tenho consciência, não estou alienada, mas o que eu dou conta agora é do meu corpo, da matéria, do físico, dos meus sentimentos mais animais, que é o instinto do prazer e do desejo. É muito sobre isso esse título.
Uma das músicas do disco, Apocalipse, é gravada com Seu Jorge. Essa ideia surgiu a partir da parceria construída entre vocês no cinema, com o filme A Melhor Mãe do Mundo, dirigido por Anna Muylaert, que ainda não chegou ao grande público? Como foi esse processo?
É a minha estreia no cinema nacional, a primeira vez que atuo. Faço papel coadjuvante, sou prima da protagonista Shirley e foi sim nessa ocasião que eu estreitei a relação com o Seu Jorge.
Eu conheço ele de bastidores de shows e festivais em que estávamos no mesmo line-up. Nos conhecemos também pela internet, mas pessoalmente, de conversar, trocar e se aproximar, foi graças ao filme, que estreia no dia 7 de agosto nos cinemas. É um filme super importante que traz a história de tantas mulheres, mães, mães solos, mães negras e periféricas do Brasil.
A Shirley foi uma grande escola para mim e ter começado nesse lugar de atuação, no cinema brasileiro, com essas pessoas, foi um presente. O segundo presente, além da minha personagem, foi ter encontrado Seu Jorge no meio do caminho e ele ter topado fazer a música e atuar junto comigo no clipe, que é lindíssimo e foi dirigido por Bárbara Magri, Lucas Teixeira, Pedro Moura, todos os três mineiros.
É uma música que abre o segundo disco, fazendo um espelhamento com a primeira música do primeiro disco, Gênesis. Foi um grande presente essa faixa e estou apostando muito nela. Acho que, pelo nome e pelo refrão. Foi esse refrão que me deu a inspiração para dar o nome do disco. É uma música com muito potencial para trazer a reflexão sobre os tempos distópicos que a gente tem vivido.
E sobre a Luedji mãe? Quais enfrentamentos você teve que buscar para ter o seu filho Dayo em São Paulo?
O Brasil, como um todo, é um país contraditório, racista, que tem violências de todos os gêneros, sejam elas raciais ou sociais. Eu venho do Nordeste, a periferia do Brasil. Venho de Salvador, que, apesar de ser uma grande cidade, com toda essa aura em torno da Bahia por conta dos artistas, é uma cidade nordestina com limitações e dificuldades, e que ainda opera muito em uma lógica coronelista e de difícil acesso, principalmente no que diz respeito à arte.
Por muitos anos, a cidade ficou sob o domínio da indústria do axé. Muita coisa mudou no Carnaval de Salvador, que se democratizou e hoje toca outros tipos de música também. Mas, na minha época, eu não via espaço na minha cidade. Todos os artistas próximos que eu conhecia viviam da arte com muita dificuldade.
Então, vim para São Paulo, a despeito da violência simbólica de não me enxergar na cidade. É uma cidade que, por se enriquecer durante o processo de industrialização do Brasil, “não podia ser tão preta”, era rica demais para ser preta demais.
Existe também um processo de gentrificação. Quando você olha o bairro do Bexiga, que era um bairro preto, se tornou um bairro italiano. De repente, vários bairros que eram nordestinos, negros e pardos se tornaram bairros italianos. Há uma noção bem marcada de centro e periferia, coisa que em Salvador é mais misturada, além de ser uma cidade extremamente negra.
Eu tive esse impacto com São Paulo, no sentido de não me enxergar na cidade e de entender que, em determinados lugares, quem me serve é sempre uma pessoa negra. Isso tudo mobilizou muita coisa dentro de mim e me trouxe uma solidão muito profunda, a de não me enxergar na cidade e no país, politicamente e midiaticamente. Foi assim que nasceu Um Corpo No Mundo, que é o disco da minha vida.
Ao mesmo tempo, é uma cidade muito generosa para quem é talentoso. Porque, diferente de Salvador e da Bahia que ainda operam na lógica do coleguismo e do clientelismo, São Paulo é a terra do trabalho. Você só precisa ser boa e ter o que entregar. Aqui, as pessoas querem consumir e têm dinheiro para consumir.
É um polo industrial e econômico tão forte no país, que, apesar de tudo, as pessoas conseguem subverter e prosperar. Foi o que aconteceu comigo. Eu não digo que a minha história é um mapa para as outras pessoas, mas, na minha experiência, São Paulo foi super generosa comigo. Eu precisei apenas ter a minha música e ela me conduziu para os lugares que eu ocupei.
Por essa razão, eu escolhi ter um filho aqui. O meu companheiro também veio do interior do Rio Grande do Sul para cá com o mesmo objetivo. No interior é ainda mais difícil prosperar na música e na arte. E ele também encontrou terreno para produzir, florir e crescer com trabalho.
Então, quando eu escolhi ter um filho paulistano, foi compreendendo o passo inicial que meus avós deram lá atrás e que meus pais deram um pouquinho mais e que eu dei um pouquinho mais, tendo que vir para cá sozinha. O meu filho não vai ter que desbravar, porque eu já encurtei alguns desafios e barreiras. Assim como os meus pais encurtaram para mim e os meus avós encurtaram para os meus pais.
Eu considero que meu filho ser paulistano é um capital político, já que o que ele vai acessar aqui, não vai acessar em nenhum outro lugar do Brasil. Nasce aqui, com tantos acessos, mas também com as raízes que vêm do Nordeste, da Bahia e de tantas outras regiões do Rio Grande do Sul.
Conversa Bem Viver
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