Quase uma semana após serem retirados de seu ponto de venda sem aviso prévio, os feirantes que oferecem almoço no calçadão da Avenida Augusto Severo, na altura da rua da Lapa, no centro do Rio, ainda não tem certeza se conseguirão trabalhar no próximo domingo.
Vendedora de empanadas chilenas na barraca “Entre chilenos y amigos” há mais de dois anos, Ana Maria Farinas está preocupada. “Não há nenhuma feira como a da Glória. Para garantir nosso sustento, arranjamos outra feira, mas não vendemos nem um terço. Eu tenho uma filha caçula brasileira e ela tem lúpus, então preciso trabalhar na feira da Glória para manter o tratamento dela”, disse ao Brasil de Fato. Ela conta que no último domingo conseguiu vender apenas 100 unidades, das 400 que costuma comercializar.
Para além da garantia do seu sustento, ela conta que a feira é um ponto de encontro da comunidade chilena no Brasil aos finais de semana. “Ali podemos falar nossa língua, escutar nossa música e nos informar uns aos outros sobre se alguém está doente, se precisa de algo. E também é um local para comemorar aniversários”. Ana lembra que nem sempre é fácil ser imigrante e estar longe de casa, então o sentimento de comunidade é muito importante.
Já Harry Quispe, responsável por uma barraca Ceviche de Harry, não pôde abrir no último domingo de feira e deixou de vender cerca de 250 pratos. Assim como Ana, ele entende a feira como ponto de encontro da comunidade de seu país e de valorização da gastronomia de sua terra natal. “Há muitas famílias peruanas trabalhando na feira e o ponto está virando referência em comida peruana”, comentou. Ele acrescenta que não tem perspectiva de trabalhar no próximo domingo e aguarda uma posição da prefeitura.
Outro ponto de venda muito badalado aos domingos é a barraca da Latifa, que oferece comida nigeriana e vende 250 pratos por dia de feira. Latifa e sua família conseguiram ser realocados no domingo e mantiveram as vendas, mas estão preocupados com as próximas semanas. Assim como nas outras barracas, além de atraírem inúmeros clientes brasileiros interessados na culinária de cada país, este é um momento de se encontrar enquanto comunidade nigeriana e africana. “Há sempre o encontro não só com nigerianos, que estão em sua maioria em São Paulo, mas principalmente com angolanos. Também recebemos muitos europeus com ascendência africana”, diz seu filho Mubarak Hassan.
No começo de julho a Feira da Glória, uma centenária de 115 anos, foi declarada Patrimônio Histórico, Cultural e Imaterial do Estado do Rio no início de julho após sanção do governador Cláudio Castro. A iniciativa foi da deputada estadual Verônica Lima (PT) e em entrevista ao BdF no momento de seu lançamento, a deputada lembrou da sua importância para além de um ponto de comércio. “A Feira da Glória é muito mais do que um ponto de comércio: é um espaço de encontro, memória e identidade do povo carioca. Com esse projeto, buscamos garantir que essa tradição seja reconhecida e preservada como patrimônio vivo do nosso estado”.
O que aconteceu
No último domingo (13), sem aviso prévio, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) retirou parte do trecho gastronômico da feira, na avenida Augusto Severo, próximo a entrada da Praça Paris, no centro do Rio.
A justificativa dada foi a de “garantir a organização do espaço público e a harmonia entre feirantes, pedestres e demais usuários da via”. No entanto, os feirantes que chegaram com suas comidas preparadas e que deveriam ser vendidas no mesmo dia, foram pegos de surpresa no momento em que montavam suas barracas. E eles seguem aguardando uma posição da prefeitura para que possam trabalhar no próximo domingo (20).
O Brasil de Fato procurou a Seop e aguarda o posicionamento da Secretaria para atualizar a matéria.
