A Cinemateca Brasileira, em São Paulo (SP), recebeu nesta quinta-feira (17) uma sessão especial do documentário Tarifa Zero: Cidade em Disputa, realizado pelo Brasil de Fato em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo. Com a sala lotada, a exibição foi seguida de um debate que reuniu figuras centrais do tema da mobilidade urbana no Brasil. A entrada foi gratuita, com distribuição de ingressos realizada uma hora antes da sessão.
O curta, que já venceu o Prêmio de Impacto Social em Curta-Metragem na 3ª edição do Short Way International Short Film Festival, retrata o cotidiano de quem enfrenta jornadas longas, passagens caras e condições precárias para acessar a cidade. A obra aponta a tarifa zero como uma proposta política com potencial transformador diante de um sistema que reforça desigualdades sociais, raciais e ambientais.

Exclusão estrutural e papel transformador da tarifa zero
Presente no debate, o ex-secretário de Transportes de São Paulo, Lúcio Gregori, fez um resgate histórico da concepção da tarifa zero e criticou a lógica de tratar o passageiro como custo para o sistema, que data da época do Brasil Colônia.
Segundo ele, “muda de maneira radical a maneira pela qual têm acesso à cidade as pessoas que usam o transporte coletivo, e também aqueles que não usam atualmente porque não têm dinheiro para pagar a tarifa”.
Gregori ainda lembrou que cerca de 50% das mulheres da cidade deixam de fazer deslocamentos necessários por falta de condições de arcar com o transporte, e sugeriu a criação de uma contribuição pelo uso do sistema viário como alternativa para custear a tarifa zero.
Daniel Santini, da Fundação Rosa Luxemburgo, definiu o filme como “absurdamente humano” e reconheceu os avanços conquistados pela geração de Lúcio Gregori na estruturação do transporte público como política pública.
Santini destacou que o debate sobre tarifa zero ganhou força nos últimos anos, especialmente em 2025, ano que tem registrado crescimento expressivo da adoção da política em várias cidades. “Não se questiona mais a possibilidade de existir tarifa zero”, afirmou, apontando que o Brasil é hoje o país com mais cidades que adotam a medida no mundo.
Gisele Brito, do Instituto Peregum, destacou que o atual sistema de transporte não é desorganizado por acaso. “A cidade, do jeito que ela é organizada, garante uma ordem onde a bala perdida sempre alcança o corpo certo, onde a merenda sempre falta na escola certa, onde a insulina sempre acaba no hospital certo, onde o buraco sempre fica aberto na rua certa”, afirmou.
Para ela, a tarifa zero ajuda a reduzir essas desigualdades, mas não as elimina: “Esse é o desafio que está colocado agora”.
A vereadora paulistana Renata Falzoni reforçou que a prioridade nas políticas públicas continua voltada para o transporte individual, em detrimento de soluções coletivas. “O formato da produção da nossa cidade é expulsar a classe trabalhadora para a periferia”, apontou.
Ela defendeu uma mudança estrutural na política urbana: “A fórmula deveria ser mobilidade ativa, junto com transporte coletivo intermodal, tudo funcionando em sistema”.