O cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), avaliou, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, a ofensiva do Congresso Nacional contra o governo Lula (PT) após o recesso parlamentar. Para ele, a aprovação de uma “pauta-bomba” que destina R$ 30 bilhões ao agronegócio, verba que seria originalmente voltada à saúde e à educação via fundos do pré-sal, sinaliza que a relação entre Executivo e Legislativo seguirá marcada por embates.
“O Congresso já mostrou como vai ser esse final de mandato do Lula: uma troca de farpas, aprovando projetos na contramão de visões progressistas. Essa verba extra vai para o agronegócio, ao invés de direcionar para os setores mais necessitados no Brasil, a educação, a saúde”, diz Ramirez. Segundo ele, a iniciativa faz parte de uma tentativa de “atacar o governo Lula a partir de bases legislativas”.
Segundo o professor, o presidente da República deve continuar enfrentando sabotagens parlamentares articuladas por setores do centrão e do bolsonarismo, inclusive com a possível retomada da pauta da anistia aos golpistas do 8 de janeiro. “Não se espantem se esse grupo bolsonarista e principalmente os grupos do centrão tentarem responsabilizar Lula pelo tarifaço e buscarem como solução a aprovação da anistia. É absurdo porque o Brasil não pode ficar refém das mãos de uma família que só quer livrar a própria pele”, afirma.
Ramirez também comentou a tensão entre Legislativo e Judiciário, intensificada após o Supremo Tribunal Federal (STF) barrar a revogação do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ele alerta para a tentativa de setores conservadores de deslegitimar a Corte. “Essa discussão contra o STF será a grande narrativa da extrema direita. Pode voltar ao plenário, como pauta-bomba, um projeto do deputado Arthur Lira (PP-AL) que pretende permitir ao Congresso rejeitar decisões do Supremo. Aí não é mais democracia”, critica.
“Lula ganhou presente de Bolsonaro”
Sobre o cenário eleitoral para 2026, o cientista político avalia que Lula tende a crescer na preferência do eleitorado a partir da oposição ao bolsonarismo e a medidas impopulares, como já indica a pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quinta-feira (17). “Lula ganhou um presente da família Bolsonaro. A estratégia deles está tão centrada em salvar o pai da prisão que abriram espaço para o presidente crescer nas pesquisas. […] Já Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo] está no barco errado, […] e a sua rejeição mal começou”, avalia.
Ramirez também repercutiu a declaração recente de Lula durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando o presidente cobrou da esquerda um esforço maior para eleger deputados. “A esquerda perdeu contato com suas bases, e quem preencheu esse vácuo foram as igrejas evangélicas, com um discurso conservador. O PT precisa rever essas bases, […] dialogar com a classe trabalhadora, entrar nos lugares mais pobres, saber propagandear”, pontua.
Para ele, o fortalecimento da base aliada no Congresso é essencial para que o governo Lula consiga superar os bloqueios legislativos. “Fica cada vez mais claro à população que o presidente não age sozinho. O PT precisa mostrar o quanto o Lula tem sido refém do Congresso nesse mandato. Nos anteriores, havia mais diálogo, abertura”, observa.
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