A morte da cantora e atriz Preta Gil, aos 50 anos, vítima de um câncer no intestino, gerou um luto coletivo, desencadeado por sentimentos de identificação, memória e afeto, diz a jornalista Juliana Dantas, especializada em cuidados paliativos, morte e luto, e sócia e diretora de comunicação do Movimento inFINITO e do Instituto Ana Michelle Soares.
Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela destacou a força do legado da artista e a necessidade de acolher quem se sente afetado.
“Para cada pessoa, bate de um jeito, e é muito importante enquanto sociedade que tenhamos esse espaço para ouvir, para deixar que essas pessoas falem, se expressem, para darmos nome para essas sensações”, explica.
Dantas avalia que o vínculo do público com Preta Gil se dá pela transparência com que ela compartilhou a sua trajetória nas redes sociais e em entrevistas. “Às vezes subestimam esse tipo de luto. E é o contrário, a conhecíamos muito, porque especialmente ela teve um caráter de transparência, de autenticidade. Fomos tendo a oportunidade de nos identificarmos e nos vermos na Preta Gil”, indica.
Segundo ela, entre pacientes e familiares de pessoas com doenças graves, o luto pode reacender ainda o medo de adoecer, o receio do que está por vir ou a lembrança de entes queridos que partiram em circunstâncias semelhantes.
“Mesmo com todos os acessos e privilégios financeiros que ela tinha, não deixou de ser duro para ela atravessar. São sensações muito mistas, de angústia e de esperança, hora de muita fé, hora de desalento”, relata.
Em relação ao câncer, a especialista critica o uso de alguns sensos comuns, como metáforas de guerra. “Não falar que são guerreiras, que perderam a batalha contra o câncer, porque primeiro que se fosse uma luta, não seria uma luta justa. A Preta não perdeu, ela só ganhou, e as principais batalhas que ela de fato travou foram contra o racismo, contra a homofobia, contra a gordofobia, contra a misoginia”, relembra.
Cuidados paliativos
Sobre os cuidados paliativos, Dantas explica que eles devem estar presentes desde o diagnóstico de uma doença grave. “Colocando o paciente como protagonista de sua história, olhando para esse paciente como um todo. Quem essa pessoa é para além de sua biologia, para além de seu diagnóstico, para além de um órgão adoecido?”, explica.
Ela ressalta que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece esse tipo de cuidado, mas ainda de forma limitada. “Temos cerca de 10% das equipes que seriam necessárias, mais da metade disso é no SUS. Temos uma política pública desde maio do ano passado que dá diretrizes e orçamento para que 1.300 novas equipes se criem no SUS, mas mais de um ano depois, nenhuma dessas equipes começou a trabalhar”, lamenta.
A especialista destaca que ainda há como obstáculo a desinformação. “Cuidados paliativos são um benefício, um direito, e não um abandono, porque muitas vezes fica parecendo que é uma gambiarra e na verdade é [realizado] quando temos muito a fazer, é quando temos uma pessoa a ser cuidada, uma família a ser cuidada”, fala.
No Instagram, Juliana Dantas compartilha informações e reflexões sobre luto e cuidados paliativos nas contas do Movimento inFINITO e do Instituto Ana Michelle Soares. “Vamos tentando traduzir, tentando naturalizar essa conversa, que é difícil, mas é preciso fazê-la”, aponta.
Para ouvir e assistir
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