As festas juninas, celebradas em todo o Brasil durante o mês de junho, representam muito mais do que um momento de diversão e confraternização. Elas sintetizam elementos da cultura popular, da economia solidária e dos sincretismos religiosos que marcam a formação social brasileira, especialmente nas comunidades periféricas e rurais.
Economia comunitária e circuito popular
A festa junina movimenta a economia local de maneira significativa. Em bairros, vilas, favelas e quilombos, as festas fortalecem o circuito popular da economia, promovendo renda para famílias que vendem comidas típicas, bebidas, artesanatos e produtos diversos. O evento gera oportunidade de sustento para pequenos comerciantes e cozinheiras locais, que partilham receitas e práticas tradicionais de geração de renda.
Além disso, essas festas movimentam agricultores locais, sobretudo aqueles que cultivam milho, mandioca, amendoim e outros grãos utilizados nas receitas juninas como canjica, pamonha, bolo de milho e caldo de mandioca. É uma forma de escoamento da produção agrícola em um modelo que conecta campo e cidade, produtor e consumidor, reforçando laços de solidariedade e reciprocidade.
Partilha da colheita e soberania alimentar
Historicamente, as festas juninas têm relação com a celebração da colheita, especialmente do milho. Em comunidades rurais e quilombolas, a festividade é momento de agradecimento aos ciclos agrícolas, prática que remonta aos saberes indígenas e africanos, ressignificados com o calendário cristão. A partilha dos alimentos preparados com a produção do território reafirma o direito à alimentação e à soberania alimentar das comunidades.
Sincretismo religioso e resistência cultural
Religiosamente, as festas juninas incorporam um profundo sincretismo. Celebram-se os santos católicos — São João, Santo Antônio e São Pedro — mas também se preservam rituais e elementos de religiões de matriz africana e indígena. O mastro de São João, as fogueiras e as quadrilhas carregam simbologias que dialogam com cultos agrários, festas de fertilidade e homenagens aos orixás associados aos ciclos da natureza.
Em muitos terreiros de candomblé e umbanda, por exemplo, o sincretismo aproxima São João do orixá Xangô, enquanto a celebração do milho remete a Oxóssi e à fartura. Assim, a festa junina reafirma o caráter plural da cultura brasileira, sendo também um espaço de resistência cultural e afirmação de identidades.
Defender, valorizar e fortalecer as festas juninas é preservar o patrimônio imaterial das Minas e das Gerais. É também um ato de resistência frente à homogeneização cultural e às tentativas de invisibilizar as tradições de matriz africana e indígena.
É fundamental afirmar a importância de que as festas aconteçam em espaços públicos abertos, garantindo o acesso gratuito da população. A transformação das festas juninas em eventos privados, elitizados ou restritos, muitas vezes com forte influência do modelo country estadunidense, aprofunda desigualdades sociais e descaracteriza uma celebração popular que nasceu da partilha e do encontro comunitário.
A festa junina deve continuar sendo do povo, expressão de identidade, memória, cultura e luta pela permanência nos territórios.
Andreia de Jesus (PT) é educadora popular, advogada, mãe solo e deputada estadual em Minas Gerais
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— Este é um artigo de opinião, a visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato