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Capitalismo precariza vida das mulheres negras e impede reparação histórica, apontam ativistas

No Julho das Pretas, deputada e jornalista denunciam estrutura econômica excludente e cobram políticas públicas efetivas

Neste Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, a deputada estadual Paula Nunes (Psol-SP) e a jornalista Juliana Gonçalves criticaram a estrutura econômica vigente no Brasil e apontaram entraves para uma reparação histórica ao povo negro. Em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, elas analisaram o papel do capitalismo na manutenção das desigualdades sociais e defenderam o fortalecimento de políticas públicas voltadas às mulheres negras.

“O mundo ideal, mesmo em que mulheres negras tenham plenos direitos e garantias, não é esse mundo. Não é essa estrutura econômica. […] Essa estrutura econômica só foi construída no Brasil porque humilhou e escravizou milhões de trabalhadores negros sequestrados dos países africanos, e nós somos fruto dessa história. Infelizmente, não conseguimos reparar essa história e talvez não consigamos nesse tipo de estrutura econômica”, afirma Nunes, uma das cinco mulheres negras entre os 94 deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Na mesma linha, Gonçalves rejeita a ideia de que o capitalismo estaria em crise. “O capitalismo se alimenta das crises e vai cada vez mais trazendo essas disparidades sociais como ferramenta da sua existência”, acredita. Para a jornalista, a lógica atual do Estado “patriarcal, cisnormativo, racista” se sustenta com base nas desigualdades.

As duas ativistas ressaltam que, mesmo após mais de uma década da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Domésticas e da recente ampliação das cotas raciais, ainda há um longo caminho para alcançar a equidade. “Políticas públicas ainda não foram suficientes para buscar uma reparação efetiva para o povo negro”, destaca Nunes. Ela diz que mulheres negras seguem na base da pirâmide social e ocupam, ao lado de pessoas trans, os postos mais precarizados do mercado de trabalho.

Ambas reforçam a necessidade de efetivar os direitos das trabalhadoras domésticas, que seguem majoritariamente sendo mulheres negras. “Não conseguimos como país romper essa lógica escravista que é a trabalhadora do quartinho dos fundos […] É perverso”, critica Nunes. “Temos uma PEC que fez dez anos e ainda não mudou, na prática, a vida de muitas trabalhadoras negras”, complementa Gonçalves.

Para a jornalista, a situação “só não está pior porque tem a luta da organização social das pessoas negras que pressiona o governo e as empresas privadas”. Ela vê as iniciativas existentes como ainda “incipientes pro tamanho do problema histórico”. Mulheres negras ainda recebem 47,5% a menos que homens não negros, por exemplo, de acordo com o Relatório de Transparência Salarial e Igualdade, divulgado no início do mês. “Só o racismo explica a diferença salarial entre mulheres negras e os demais grupos sociais”, declara.

Desafios no mercado de trabalho

Entre os problemas no acesso ao mercado de trabalho formal, a deputada Paula Nunes cita os desafios enfrentados por mães solo negras, principalmente no interior do país, onde muitas vezes não há oferta de creches para crianças com menos de 4 anos. “O que uma mulher negra mãe solo faz para trabalhar?”, questiona.

Ela defende que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) inclua a universalização da educação na primeira infância e defende propostas como a criação das “cuidotecas”, dentro do Plano Nacional de Cuidados (PNC), espaços onde as mães podem deixar os filhos fora do horário comercial.

Ambas entrevistadas também comentam a complexidade em torno da romantização do empreendedorismo como solução. “A lógica do ser o empreendedor de si mesmo é algo que, infelizmente, permeia a cabeça da nossa juventude como uma ilusão”, lamenta Nunes. Juliana Gonçalves alerta que é a alternativa que “surge da escassez” de trabalho para mulheres negras, mas que, muitas vezes, “essa empreendedora não tem a mínima condição de realmente sobreviver daquilo, fica sempre com uma sobrevida”.

Avanço de pautas em prol das trabalhadoras negras

Nunes também questiona a jornada 6×1 imposta a muitas mulheres negras. “Esse tipo de escala de trabalho é majoritariamente das mulheres negras, especialmente das jovens que estão no telemarketing, na hotelaria, no comércio… É também uma escala que não cabe na nossa vida”, destaca a parlamentar.

Gonçalves ainda relaciona a discussão sobre reforma agrária e titulação de terras quilombolas com a possibilidade de acesso digno ao trabalho. “As pessoas estão sem sem casa, sem terra. […] Falar de reforma agrária é falar sobre um melhor acesso das mulheres negras ao trabalho”, associa.

Além disso, a jornalista defende a taxação de grandes fortunas como uma medida de justiça histórica. “Isso também se reverbera na política da reparação porque as mulheres negras produzem e estão na base da criação da riqueza desse país, mas não recebemos os frutos disso”, protesta.

Atos do 25 de julho

Nesta sexta-feira (25), o país será palco de mobilizações do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Em São Paulo, a marcha será na Praça da República, na região central, a partir das 17h. “Tem marcha em 17 capitais, em Brasília, Bahia, Ceará, Amazonas, tem em todo lugar”, informa Gonçalves.

O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 11h ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.

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