Países da América Latina e do Caribe junto com a China lançaram nesta sexta-feira (25) o Consenso de São Paulo, uma carta conjunta que estabelece objetivos e ações para repensar a governança global de direitos humanos. O documento foi aprovado durante a Segunda Mesa Redonda China-América Latina e Caribe sobre Direitos Humanos, que aconteceu na capital paulista.
Assinado por representantes de 20 países, o texto propõe uma alternativa ao modelo liderado pelo Norte Global, especialmente Estados Unidos e países da Europa. Durante o evento, a menção à necessidade de que a pauta dos direitos humanos deixe de ser usada como agenda política para justificar ataques e sanções foi constante.
Sem citar países específicos, a carta final também aborda a interferência ocidental e a instrumentalização dos direitos humanos. “Rejeitamos a politização e o uso indevido das questões de direitos humanos como pretexto para interferências nos assuntos internos de outros países.”
As nações que assinam o texto reforçam a percepção de que os direitos humanos têm caráter universal, mas precisam estar de acordo com a realidade e as possibilidades de cada nação. “O avanço dessa causa em cada país deve respeitar sua história, cultura e estágio de desenvolvimento, adotando caminhos de desenvolvimento e modelos de proteção compatíveis com suas realidades nacionais.”
Nesse sentido, o consenso ressalta que é “fundamental promover, de forma integrada, os direitos civis e políticos em conjunto com os direitos econômicos, sociais e culturais”, mas pontua que esse objetivo não será atingido sem a construção de “um ambiente pacífico e de estabilidade” no mundo.
Reparação histórica
Se no documento oficial as críticas apareceram de forma diplomática, os discursos de especialistas e autoridades no evento foram incisivos na denúncia de interferências estrangeiras e na exigência de reparação histórica como pilares para uma nova agenda de direitos humanos.
“Países colonizadores enriqueceram com extração; nós nos tornamos pobres. Vamos reparar povos indígenas e africanos”, afirmou o presidente do Comitê Nacional de Reparações de Granada, Arley Nichaul Salimbi Gill. Ele falou na cerimônia de abertura do evento e fez duras críticas às consequências históricas e contemporâneas do colonialismo.
O professor Zhang Donggang, presidente do Conselho Universitário da Renmin University of China, reforçou a percepção de que é preciso contornar as práticas de poder e dominação disfarçadas de atenção aos direitos humanos. Nas palavras dele, elas causam o efeito contrário à manutenção dessas garantias.
“Ainda podemos ver alguns países ocidentais habituados a politizar e até mesmo instrumentalizar os direitos humanos, sob o pretexto de promover o progresso civilizatório ou proteger os direitos humanos de outros países, interferindo grosseiramente em seus assuntos internos, resultando em desordem social onde a segurança e o desenvolvimento se tornam luxo, e a proteção dos direitos humanos se torna impossível”, afirma Donggang.
O diretor do Instituto de Direito e Membro da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Mo Jihong, participou das palestras magnas da conferência. Com discurso igualmente enfático, ele frisou que os direitos humanos “não podem ser determinados por quem tem a voz mais alta ou o punho mais forte”, defendendo a igualdade soberana e a não interferência.
A perspectiva foi reforçada por Shaira Natasha Downs Morgan, membro da Assembleia Nacional da Nicarágua. Para ela, o modelo de cooperação necessário precisa contrastar “com o modelo unilateralista e hegemônico, de países cuja história inclui colonizar, escravizar e subjugar a humanidade pela força. Esses tempos estão mudando para melhor”, concluiu.
Wang Yanwen, representante da Sociedade Chinesa de Estudos de Direitos Humanos, destacou que a persistência de um cenário de turbulência e conflitos gera novas crises para os direitos humanos. Nesse cenário, a cooperação e unidade global são essenciais para manutenção da paz e da estabilidade.
“A taxa de baixas civis aumenta quase diariamente, o problema do desenvolvimento global desequilibrado ainda está se agravando, centenas de milhões de pessoas ainda sofrem de pobreza e fome, a governança digital global está deficitária e os direitos humanos estão sofrendo novas crises. A causa internacional dos direitos humanos tanto enfrenta novas oportunidades quanto desafios severos”, pondera Yanwen.
Nesse sentido, o consenso ressalta que é “fundamental promover, de forma integrada, os direitos civis e políticos em conjunto com os direitos econômicos, sociais e culturais”, mas pontua que esse objetivo não será atingido sem a construção de “um ambiente pacífico e de estabilidade” no mundo.
O documento pontua ainda que o mundo vive a necessidade de praticar um “multilateralismo genuíno”, com equidade e justiça global. “Defendemos que todas as nações adotem os valores comuns da humanidade — paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade — e promovam uma governança global mais justa, equilibrada, inclusiva e transparente.”
Além do Consenso de São Paulo, o evento também marcou o lançamento da Rede de Pesquisa e Cooperação em Direitos Humanos China-ALC. O mecanismo, ainda a ser implementado, tem objetivo de promover a troca e o aprendizado mútuo entre a China e os países latino americanos e caribenhos com a criação de novas plataformas e mecanismos.