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‘Estamos todos com o cérebro podre’, diz especialista sobre efeitos das redes sociais

Para a escritora Januária Alves, excesso de estímulos e algoritmos afeta atenção, memória, leitura e capacidade crítica

Vídeos nonsense em italiano com personagens bizarros, como tubarões de três patas ou gatos que falam frases sem sentido, viraram febre entre crianças e adolescentes nas redes sociais. A tendência conhecida como brain rot, expressão eleita palavra do ano pelo dicionário Oxford em 2024, é mais um sintoma de uma era marcada pelo excesso de informação e pela superficialidade no consumo de conteúdo digital, na visão da escritora e especialista em educação midiática Januária Cristina Alves.

Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela explica que o fenômeno é geral. “Estamos todos no mesmo barco: crianças, jovens, nós, os pais, cansados com toda essa questão da proibição do celular […]. Nem as famílias conseguem dar conta do seu uso do celular, que dirá conseguir dar conta de regular o uso dos seus filhos, então temos uma questão”, alerta. “Nós, adultos, que sempre tivemos a prerrogativa de sermos mais experientes, estamos também com o cérebro podre”, indica.

Alves explica que o impacto das redes sociais no cérebro humano já tem base científica, com estudos que apontam para a exaustão mental, dificuldade de concentração e até prejuízos na formação de memória. “O cérebro humano não é feito para suportar tanta informação. Existe até um termo que já foi cunhado há alguns anos, infoxication, que é justamente a intoxicação pelo excesso de informação […]. Estamos deixando de acessar áreas importantes do nosso cérebro para o desenvolvimento do pensamento e mais, do pensamento crítico”, aponta.

Segundo ela, o consumo passivo de conteúdo moldado por algoritmos também afeta diretamente a autonomia e a capacidade de escolha das pessoas. “Não sabemos mais fazer aquela curadoria de conhecimento, de informação. […] É o algoritmo que está fazendo isso por você. […] Estamos perdendo essa condição de fazer a escolha do que nos interessa”, analisa.

Alves apresenta um podcast com adolescentes sobre redes sociais, e conta o relato que ouviu de uma jovem. “Ela dizia: ‘Eu não sei o que acontece, o algoritmo sabe mais de mim do que eu mesma, porque eu entro na rede, ele começa a me mandar coisas, e coisas que eu gosto, e aí quando eu vejo, eu não consigo mais sair’”, exemplifica.

A especialista acredita que esse mecanismo afeta também o interesse pela leitura, pela ficção e pela produção de pensamento mais elaborado. “A leitura requer um alto esforço de concentração e temos visto que os textos curtos estão ganhando espaço. [Os adolescentes] estão menos hábeis em detectar ironia e sarcasmo. São sutilezas da linguagem do humano”, observa.

Para Alves, o debate sobre o uso das redes sociais e da inteligência artificial precisa ser atravessado pela noção de cidadania digital, com foco em liberdade, autonomia e senso crítico. “Estamos entregues na mão dos algoritmos sem questionar. […] Temos uma preocupação muito grande com a questão da democracia, com a manutenção dos valores éticos, da empatia, do senso de pertencimento… tudo isso vai se perdendo se você não exercita a sua autonomia e a sua liberdade”, adverte.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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