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A coluna Cidade das Letras: literatura e educação é mantida por Luciano Mendes de Faria Filho, que é pedagogo, doutor em Educação e professor  da UFMG, e por Natália Gil, que é pedagoga,  doutora e...ver mais

A vida dos famosos é notícia?

Se a fofoca aparece indistintamente em qualquer parte do jornal (ou se o modo de veiculação na internet nos retira esse critério organizador), como saber o que


Natália Gil

Rodrigo Gil

​Quando tudo vira notícia, como discernir o que merece nosso foco de atenção? Do jornalismo, a gente espera que selecione os acontecimentos mais significativos do dia e apure os fatos, de modo a nos trazer informações confiáveis sobre temas importantes para a sociedade. Isso significa assumir que o jornalismo tem uma responsabilidade social. O compromisso com a informação é, portanto, o que vem logo de cara quando pensamos nas obrigações a que estão sujeitos os jornais. Mas não se trata de qualquer tipo de informação. 

O que fazer quando é a vida dos famosos (ou nem tão famosos assim…) que ocupa o destaque na mídia? Temos visto com preocupação a crescente “fofocalização” do jornalismo, ou seja, parece que cada vez mais o foco é a fofoca.

Desde o final de maio, um tema assumiu visibilidade na grande mídia e isso nos chamou atenção. Trata-se da separação da influenciadora digital Virginia Fonseca e do cantor Zé Felipe. Na semana do anúncio da separação, o fato esteve em grandes jornaisde abrangência nacional e em portais de notícia – sem deixar de estar presente também em jornais locais e, evidentemente, nas redes sociais. Basicamente, nenhum veículo de informação quis “perder” a oportunidade de “informar” seu público sobre esse “relevante” acontecimento. Sim, aqui contém uma dose de ironia. 

Mas a questão é séria, afinal, e merece reflexão: que tipo de informação deve ser notícia nos jornais? Faz sentido que o mesmo veículo que transmite e discute informações de grande relevância para a sociedade, como decisões do Senado Federal, encaminhamentos da economia nacional ou a crise climáticaglobal, informe o que acontece na vida de pessoas famosas? É papel dos jornais entreter e divertir a população com fofoca?

Não vamos questionar aqui o interesse enorme e possivelmente atemporal em saber o que acontece na vida alheia. Não é de hoje que a fofoca interessa e também não é novidade o quanto isso pode prejudicar quem é alvo das “más línguas”. Seria importante questionar a ética do jornalismo de fofoca, que, para produzir entretenimento, se ocupa em vasculhar, quase sempresem consentimento, e disseminar informação da vida de pessoas que podem estar fragilizadas ou serem menores de idade. Haveria muito o que se dizer a respeito, mas esse é tema para outro dia.

Também não é novidade nenhuma que quem tem curiosidade consegue fácil informação sobre o que se passa tanto na vida do vizinho como na vida dos famosos. Do fofoqueiro do bairro, da escola ou do escritório, passando pela contribuição inegável das redes sociais mais recentemente e pelas já bem antigas colunas sociais dos jornais, as opções para acessar fofoca são muitas. 

Isso nos remete à necessidade de reconhecer que, afinal, também não é de hoje que o jornalismo abre espaço para esses temas. Fazer reportagens sobre assuntos que despertam interesse dos seres humanos está entre as tarefas legitimamente atribuídas aos jornalistas. O problema talvez seja misturar o jornalismo defofoca com o jornalismo informativo. Quando se junta tudo, acaba-se por transformar todo tipo de acontecimento em “farinha do mesmo saco” e vai se tornando muito difícil discernir quais informações são efetivamente importantes. Na atualidade, as notícias nos chegam fragmentadas e o que mais circula é o que mais “engaja” na internet, não necessariamente o que mais importância tem.

Quando havia apenas a versão impressa dos jornais, o local e o modo de distribuir os temas na publicação eram por si próprios organizadores dessa hierarquia de importância entre as muitas informações oferecidas ao público pelos jornalistas. Assim, o leitor sabia que, se algo estava estampado em letras enormes na primeira página, referia-se a um fato de relevância geral. Se fosse uma notícia dada nas páginas internas, com título em letras menores, possivelmente teria importância mais localizada, regionalmente ou em termos de temática. Já se viesse no encarte da coluna social, bingo! Se tratava de fofoca!

Mas, se a fofoca aparece indistintamente em qualquer parte do jornal (ou se o modo de veiculação na internet nos retira esse critério organizador), como saber o que é notícia e o que é fofoca? E, se os jornais passarem a se ocupar das fofocas, para onde vão os leitores que querem informações produzidas de forma séria, ética e confiável?

De modo geral, fofoca tende a interessar a mais gente do que as notícias, digamos, da política do país. Em tempos em que a quantidade de cliques e likes na internet têm caba vez mais importância, o risco é os jornais abandonarem a cobertura das notícias para se dedicarem apenas à fofoca. Muito tem se dito sobre o perigo que é os jovens viverem nas redes sociais e fazerem de tudo por “likes”. Mas e os jornais? O que dizer quando seguem por esse mesmo caminho?

Natália Gil, que é pedagoga,  doutora em Educação e professora da UFRGS. Rodrigo Gil é estudante do ensino médio em Porto Alegre/RS.

Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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