Há um ano, o presidente Nicolás Maduro foi reeleito para um terceiro mandato em um pleito contestado pela oposição. Os dias seguintes às eleições foram marcados por um cenário de violência nas ruas com o apoio da extrema direita venezuelana. Doze meses se passaram e o chavismo venceu outras duas eleições, para governadores e deputados em maio e, agora, conseguiu uma vitória expressiva entre os prefeitos.
Depois de tentar reeditar um movimento de caos como em 2014 e 2017, a oposição de extrema direita adotou o boicote para as disputas de 2025. O professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela Reinaldo Tamaris entende que este processo demonstrou a estratégia “falida” da oposição nos últimos anos. Ele cita a postura adotada pelas lideranças opositoras, a ex-deputada María Corina Machado e o ex-candidato presidencial Edmundo González.
“O trabalho político do chavismo acabou sendo favorecido e o movimento de esquerda acumulou uma série de vitórias desde a eleição do ano passado. O dano que María Corina e Edmundo González fizeram depois do pleito do ano passado foi muito prejudicial para a oposição. Isso ficou claro em Maracaibo, que é a cidade com maior população da Venezuela que era opositora e agora terá um prefeito de esquerda”, disse ao Brasil de Fato.
Nas eleições municipais realizadas neste domingo (27), o chavismo ampliou o poder territorial. Sem os dados oficiais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o governo anunciou ter vencido em 285 cidades de 335 em disputa. Isso representa um aumento significativo comparado às últimas eleições municipais, quando o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) havia ganho em 212 cidades.
Com isso, o governo conclui um ciclo eleitoral de um ano conquistando a 92% da Assembleia Nacional, elegendo governadores em 23 dos 24 estados e formando uma maioria de prefeitos no país. Para o advogado e especialista em Economia Política Juan Carlos Valdez, o aumento da força também traz novas responsabilidades para o chavismo.
“Mais municípios e uma força ainda maior implica uma ampliação do seu poder. O governo agora tem a proposta de fazer uma reforma constitucional e que também será votada. Por isso, o governo precisa trabalhar e, principalmente, consolidar os espaços que recuperou da oposição. O chavismo terá o desafio de consolidar políticas porque, internamente, não terá que chegar a muitos acordos para implementar projetos no território”, disse ao Brasil de Fato.
A esquerda venceu nas cidades mais populosas, mas a oposição conseguiu manter o poder político em algumas das cidades mais ricas do país. Enquanto a extrema direita boicotou a participação nas eleições, uma parcela da direita levou candidatos e conseguiu eleger 50 prefeitos, segundo dados divulgados por Maduro.
Nesse bloco, o partido que mais ganhou espaço foi a Fuerza Vecinal. O grupo fundado em 2021 conseguiu eleger prefeitos em Chacao, Lecheria, Baruta e El Hatillo, espaços com maior concentração de renda na Venezuela.
Para Tamaris, a oposição conseguiu manter seu poder em um reduto eleitoral de direita e em municípios já governados pela direita, e que representam uma “classe dominante” no país.
“Do ponto de vista político é óbvio que a oposição perdeu muitos espaços e isso está relacionado a esses opositores extremistas. Os votos da oposição se concentram em cidades muito ricas, mas com pouca população. São espaços onde estão os donos dos meios de produção. Há um poder econômico nas mãos da oposição no país, apesar de eles não terem o governo. E, claramente, são pessoas que estão contra o governo. É uma classe social contra o chavismo”, disse.
Na região metropolitana de Caracas, o PSUV também conseguiu vencer na cidade de Sucre, um espaço importante para o chavismo, porque é onde está Petare, um dos maiores bairros populares da América Latina.
Valdez entende que a oposição precisa recalcular a rota a partir de agora e terá quatro anos para “refletir” sobre a estratégia que adotará no próximo pleito regional.
“A oposição deve refletir, já que tinha mais de 100 prefeituras e agora tem 50. As prefeituras importantes na capital sempre ganharam e conseguiram manter sua cota opositora dura. Conquistaram algumas cidades em Cojedes que eram do chavismo, mas , em um geral, foi uma derrota contundente. Agora, a Venezuela não terá eleição durante quatro anos e a direita terá esse tempo para se rearticular”, afirmou.
Segundo o CNE, pouco mais de 6,3 milhões de eleitores participaram do pleito, o que representaria 44% dos eleitores. No entanto, considerando que o número de eleitores registrado pelo próprio órgão eleitoral era de pouco mais de 21 milhões, a participação total seria de 29%.
Como o voto no país não é obrigatório, essa participação também refletiu o apoio que o governo tem na Venezuela. Os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato entendem que esse cálculo já era feito internamente e se traduz nos resultados apresentados pelo órgão eleitoral. O chavismo já via um núcleo duro de cinco a seis milhões de votos e as eleições deste domingo refletiram um dado dentro dessa margem.
Para Valdez, a oposição de extrema direita perdeu fôlego e poder, e não deve promover atos de violência nos próximos anos. Ele indica que a tendência é um trabalho em conjunto da direita que segue ocupando espaços de poder.
“Eles sempre estiveram com governadores e prefeitos. O que a direita não ganhou desde Chávez foi a presidência. Essa oposição deve usar as prefeituras para melhorar a relação com o governo nacional, além de melhorar a própria imagem. O governo de Cojedes é opositor e conseguiu ter melhoras na infraestrutura justamente por trabalhar com o governo central e isso é uma mostra de que o chavismo não tem essa mentalidade de destruir a oposição”, disse.
Ameaça externa
Mesmo com a ampliação da força interna, o chavismo ainda terá que lidar com ameaças externas de ataques, especialmente do governo de Donald Trump nos Estados Unidos. Desde que assumiu a Casa Branca em 20 de janeiro, o republicano derrubou uma série de licenças que permitiam que a Venezuela vendesse petróleo no mercado internacional e ameaçou retirar a empresa petroleira estadunidense Chevron do país.
Além de lidar com as questões econômicas, o governo veenzuelano terá que lidar também com questões políticas e militares. Desde que tomou posse em 2013, Maduro denuncia tentativas de ataques estrangeiros. Isso voltou a tona neste domingo, ao final das eleições.
Em pronunciamento oficial, o vice-presidente de Defesa e Soberania da Venezuela, Vladimir Padrino López, disse que as Forças Armadas venezuelanas identificaram o voo de uma aeronave de inteligência RC-135 da Força Aérea dos EUA “orbitando aproximadamente 80 milhas ao norte da Venezuela”.
“Eles violaram o sistema de segurança aeronáutica, violaram a área de informações de voo, o que é uma violação das normas aeronáuticas e decidiram fazer isso durante as eleições”, afirmou.
Ainda durante o final de semana, o Departamento de Estado dos EUA também classificou o Cartel do Sóis como uma organização terrorista internacional.
Segundo Washington, essa é uma suposta organização venezuelana que atuaria entre lideranças políticas e militares do alto escalão para “corromper a política, o militarismo e o sistema judicial” na Venezuela, desde o final da década de 1990, e “enviar drogas para os Estados Unidos”.
Em seu comunicado, o Departamento do Tesouro acusa diretamente o presidente Nicolás Maduro de liderar o grupo. A existência desta organização, no entanto, nunca foi confirmada por nenhuma agência de inteligência e sempre foi usada em meio a discursos da Casa Branca.
Logo depois das eleições, o perfil da embaixada dos EUA na Venezuela publicou nas redes sociais uma mensagem “ao povo venezuelano” afirmando que “Maduro e seu regime criminoso não durarão para sempre e a terra de Bolívar voltará a ser democrática e livre”.