Preocupados com possíveis novos rompimentos de barragens, como ocorreu em Mariana (MG) e Brumadinho (MG) e um caso mais antigo, o rompimento da barragem da Rio Pomba Cataguases em Miraí (MG), em 2007, que afetou o norte fluminense, o Instituto Baía Viva emitiu um alerta para a necessidade de monitoramento conjunto das barragens de rejeito de mineração. Para o instituto é necessário haver um monitoramento interestadual das barragens, em especial da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, uma das principais da região Sudeste e que passa por 184 municípios de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A partir da construção de um desvio para o sistema Guandu, a cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana são os principais destinos de abastecimento da bacia e atende 9 milhões de pessoas, de um total de 14 milhões que são abastecidas pela bacia, de acordo com informações da Agência Nacional de Águas (ANA).
Em levantamento realizado a pedido do Brasil de Fato, a Agência Nacional de Mineração (ANM) informa que existem 19 barragens de rejeitos na bacia do Rio Paraíba do Sul, seis delas incluídas no Plano Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Os critérios para inclusão no PNSB são altura igual ou maior a 15 metros, reservatório maior do que três milhões de metros cúbicos, toxicidade do material armazenado e dano potencial associado médio ou alto em termos econômicos, sociais, ambientais ou perda de vidas humanas.
Embora nenhuma das barragens esteja em nível de emergência, uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Educação, Mineração e Território da Universidade Federal de Minas Gerais (EduMite/UFMG) Lussandra Gianasi endossa a necessidade de atenção. “A gente sempre tem que estar atualizado com as informações dessa barragem, como sociedade civil, como pessoas moradoras de perto dessas barragens quando há o dano potencial alto, porque pode haver contaminação do rio e depois você não vai poder beber a água dele”. Ela acrescenta que está é uma grande preocupação em Belo Horizonte, localizada na bacia do Rio São Francisco, a que contém o maior número de barragens do estado.
A avaliação é a mesma do professor do departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Adacto Ottoni. “Em casos de rompimento, a concessionária não consegue captar água do Rio para tratar, por conta da poluição”, alerta.
A preocupação do diretor do Instituto Baía Viva, Sérgio Ricardo Lima, também está na mudança de classificação pelo estado de Minas Gerais. Em 2009, a Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam) produziu um relatório em que identificou 606 barragens no estado, sendo 64% delas destinadas a armazenar rejeitos de mineração. Com a aprovação de duas legislações estaduais relacionadas à identificação das barragens em 2019 e 2021 houve uma mudança de metodologia e o número total, de acordo com relatório da Feam de 2024, passou de 645 barragens em 2021 para 249 em 2024. “Nós, inclusive, adotamos mais os dados da Agência Nacional de Mineração [ANM] do que do estado de Minas Gerais, porque a gente já percebeu que há divergência entre eles”, diz Gianasi. De acordo com a ANM, em dados de junho, existem 339 barragens de mineração em Minas Gerais do total de 914 no país.
Inea nega responsabilidade
Procurados pelo Brasil de Fato, o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) informou que não é de sua responsabilidade fiscalizar as barragens e que esta deve ser atribuição do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) e da Agência Nacional de Mineração (ANM). No entanto, a presença do Inea está prevista como integrante do Ceivap, uma vez que é responsável pela fiscalização da gestão de recursos hídricos do estado do Rio de Janeiro. A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo também atribui a ANM à fiscalização das barragens, mas afirma que acompanha a PNSB “em articulação com os órgãos fiscalizadores competentes, no caso das estruturas localizadas no território paulista”. Já o órgão ambiental de Minas Gerais, a Feam, não respondeu às perguntas enviadas.
Para que haja um acompanhamento interestadual da situação, Adacto Ottoni propõe que seja criado um grupo de trabalho para inspecionar essas barragens, uma medida que pode ser tomada por solicitação parlamentar. Ele entende que este trabalho não é de competência do Ceivap. “O objetivo do Comitê [Ceivap] é gerenciar a bacia. Então, quem tem o poder fiscalizador são os órgãos ambientais de Minas Gerais e do estado do Rio de Janeiro, além do Ministério Público, mas o Comitê pode colaborar”, diz. De acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente é de responsabilidade do poder público a fiscalização, controle, monitoramento, prevenção e precaução para evitar desastres ambientais.
Ottoni entende que a fiscalização pode ficar incompleta caso o PL da Devastação, aprovado no Congresso na segunda metade de julho, não seja vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A principal preocupação é a previsão de que seja feito um autolicenciamento ambiental. “Se não houver a obrigatoriedade da participação popular, da realização de estudos mais detalhados e do pronunciamento de diversos órgãos se pronunciarem, vai haver uma fragilização do processo e isso vai agravar ainda mais os danos ao meio ambiente”, avalia.
Barragens registradas
No estado de São Paulo está localizada a única barragem em estado de alerta. Este estágio, de acordo com a ANM significa que existem modificações a serem feitas, mas não significam risco imediato à segurança. Esse estágio ainda é seguido por outros três níveis de emergência. Essa é uma barragem de argila localizada no município de Guararema (SP), na região metropolitana de São Paulo, possui 735 mil metros cúbicos de rejeito e uma altura de 18 metros. Procurada pela reportagem, o grupo Itaquareia, da qual a mineradora faz parte, informou que as providências estão sendo tomadas. “Atualmente conta com intervenções e monitoramento em atendimento às normas da Agência Nacional de Mineração, que a mantém em estado de alerta até que as melhorias previstas estejam finalizadas”, diz a nota. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística o alerta se deve ao “não cumprimento de exigências documentais estabelecidas pela ANM. No entanto, é importante destacar que, na fase atual de descaracterização, o reservatório praticamente não contém mais água, o que reduz o risco à segurança”.
Além desta barragem, uma segunda também de argila, está inscrita na PNSB também em processo de encerramento localizada em Santa Isabel (SP) e de dano potencial baixo. Fora da política nacional, o estado possui outras 10 barragens. Ao todo, o volume total de rejeitos é de 3,4 milhões de metros cúbicos.
Apesar de possuir apenas quatro barragens nessa bacia, o estado de Minas Gerais reúne o maior volume de rejeitos, em um total de 37,2 milhões de metros cúbicos e três delas estão incluídas no PNSB tanto por seu tamanho quanto por terem um Dano Potencial médio e alto. As duas barragens com grau elevado de dano potencial pertencem a Companhia Brasileira de Alumínio e estão ativas, uma no município de Itamarati de Minas e outra em Miraí para extração de bauxita em grau metálico. Juntas elas somam quase a totalidade dos rejeitos do estado: 36 milhões de metros cúbicos.
Há uma outra barragem em Miraí, pertencente a Bauminas, em processo de encerramento com um milhão de metros cúbicos de rejeito de argila. A quarta, e que não está no PNSB, fica em Descoberto (MG), pertence à Novelis do Brasil, está inativa desde 1993 e também foi dedicada a acumular rejeitos da extração de bauxita em grau metálico. A bacia do Paraíba do Sul é a quarta com maior volume de rejeitos em MG. De acordo com dados elaborados pelo EduMite/UFMG, a partir dos dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) de junho de 2025, existem 914 barragens de mineração registradas no país, sendo 339 em Minas Gerais. A maioria está concentrada nas bacias do Rio São Francisco (181) e Bacia do Rio Doce (91).
O município de Quatis, no sul fluminense, sedia uma das duas barragens de mineração presentes no estado. A estrutura possui 19 metros de altura e, portanto, está inscrita na PNSB. O nível de dano é médio e está em processo de encerramento, também conhecido como descaracterização. Atualmente acumula 240 mil metros cúbicos de rejeito de cimento. A outra barragem está localizada em São João da Barra, norte fluminense e cidade onde o Paraíba do Sul deságua. É uma barragem de 4,5 metros de minério de ferro, possui 330 mil metros cúbicos de rejeito e está classificada como risco potencial baixo.
Divergência de informações
No registro das barragens pertencentes a bacia do Rio Paraíba do Sul não está incluída a barragem Rio Pomba Cataguases, rompida em 2007 e fechada por determinação do governo do estado de Minas Gerais. O acidente jogou dois milhões de metrôs cúbicos de rejeito de minério misturado à lama, desabrigou 6 mil pessoas nos municípios de Miraí e Muriaé e milhares de pessoas sem água no sul mineiro e norte fluminense.
Em nota, a ANM justifica essa ausência se deve a legislação de segurança de barragens ser posterior (Lei nº 12.334/2010), bem como a criação do Cadastro Nacional de Barragens de Mineração (CNBM), instituído pela Portaria DNPM nº 416/2012 e o atual Sistema Integrado de Gestão em Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), criado em 2017. A Agência informa ainda que “a barragem de mineração somente é descadastrada do SIGBM, por descaracterização, quando deixa de possuir características ou de exercer funções função de barragem, de acordo com projeto técnico e com “o acompanhamento pelo período mínimo dois anos após a conclusão das obras de descaracterização, objetivando assegurar a eficácia das medidas de estabilização”.
Em relação ao processo de descaracterização, Lussandra Gianassi avalia que é preciso melhorar esse monitoramento. “Estamos às cegas em relação a esses processos e, por isso, o Ministério Público de Minas está criando um outro sistema para acompanharmos o que está sendo feito”, diz a coordenadora do EduMite. Após os desastres em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), o estado de Minas Gerais promulgou uma lei de iniciativa popular conhecida como “Mar de lama nunca mais” que obriga o desativamento das barragens construídas pelo método de “alteameamento de montante”, o método mais barato e inseguro de construção que consiste em construir diques um acima do outro. E que não é o caso de nenhuma das barragens cadastradas na bacia do Paraíba do Sul. A partir daí, o MPMG criou uma página para monitorar esses processos de “descaracterização” e onde é possível enviar denúncias sobre o não cumprimento das medidas de segurança.
Para o diretor do Instituto Baía Viva esse acompanhamento não deve ser realizado de forma isolada pelos estados. A demanda é antiga e motivou um pedido de fiscalização por parte do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) das barragens existentes ainda em 2011 por parte do instituto. “É de responsabilidade das autoridades do Estado do Rio Janeiro garantir a segurança hídrica. Independente se o passivo ambiental está em São Paulo ou em Minas Gerais, nós recebemos a carga de poluentes toda, uma vez que a foz está localizada no norte fluminense. A preocupação é em especial com Minas Gerais pelo grande volume de rejeitos e a existência de barragens desativadas”, garante.