A fome adoece. Ela compromete o corpo, desestrutura a mente, enfraquece o sistema imunológico, impede o crescimento saudável de uma criança e desgasta as defesas de um idoso. Retirar o Brasil novamente do Mapa da Fome é uma conquista sanitária, social e civilizatória.
Estar fora do mapa é sinal de que o país voltou a organizar políticas públicas com foco na vida. Foi preciso retomar programas sociais, garantir transferência de renda, apoiar a agricultura familiar, valorizar a alimentação escolar e promover o emprego. A combinação dessas ações permitiu que milhões de famílias recuperassem o direito mais básico: o de comer com dignidade.
Quem não compreende a centralidade desse tema talvez enxergue com ceticismo a comemoração em torno da saída do mapa. Mas a fome não é invisível. Ela se revela em corpos marcados pela desnutrição, em doenças silenciosas que se instalam pela falta de nutrientes, na exaustão de quem precisa escolher entre comer e pagar o aluguel.
Quando escrevi sobre os homens-gabiru para o Brasil de Fato ainda em 2019, fiz referência à metáfora social que tanto Josué de Castro quanto Manuel Correia de Andrade nos ajudaram a entender: a fome transforma o humano. Tira-lhe a cidadania, distorce sua biografia, espreme seus sonhos. Como disse no texto, voltarmos a naturalizar figuras que sobrevivem catando sobras não é opção aceitável. E sair do Mapa da Fome é parte do caminho para impedir esse retrocesso.
Políticas públicas bem desenhadas, como o fortalecimento do Bolsa Família, o apoio à agricultura familiar, a alimentação escolar e a recuperação do emprego formal, ajudaram a reverter um cenário que beirava o colapso. A queda na pobreza extrema, o aumento da renda das famílias mais vulneráveis e a queda na desigualdade estão diretamente relacionados à melhoria nos indicadores de insegurança alimentar.
Mas é preciso manter a vigilância. A fome, como nos ensina o relatório da FAO, tem raízes econômicas, políticas e ambientais. E retorna sempre que os mais pobres são esquecidos. Por isso, celebrar a saída do mapa é necessário, mas seguir garantindo alimentação saudável, acesso ao trabalho, à renda e ao cuidado em saúde é o que sustentará essa conquista.
Mais do que estatística, segurança alimentar é um direito humano. E, como todo direito, precisa ser protegido de forma permanente, com prioridade política e compromisso social. Não queremos a volta dos homens-gabiru. Queremos um Brasil onde todos e todas possam viver com o mínimo necessário para existir com dignidade.