Olá, o governo brasileiro saiu fortalecido da batalha das tarifas, mas Trump ainda quer guerra.
.Nem 8, nem 80. Depois de semanas de insistência do governo brasileiro em negociar, o tarifaço de Trump saiu do papel desidratado. Quase 700 produtos foram isentos da lista da nova taxação, dentre eles aeronaves, aço e suco de laranja. Agora, a equipe econômica trabalha para mitigar os efeitos sobre aqueles setores afetados pelo tarifaço. Do ponto de vista econômico, os efeitos são difíceis de calcular. A sobretaxa sobre a carne exportada, por exemplo, pode inicialmente baratear o produto no mercado nacional, mas a médio prazo talvez os abatedouros reduzam o ritmo de produção e elevem o preço para o consumidor. Não é o cenário ideal para o Brasil mas, de certa forma, todo mundo ficou um pouco satisfeito: Trump manteve sua posição intransigente, mas ao mesmo tempo o governo brasileiro também pôde dar-se por vitorioso. O resultado tira um peso do Planalto, que poderia acabar numa sinuca de bico entre retaliar o tarifaço ou dar-se por derrotado. A crise também ajudou a fortalecer o próprio sistema presidencialista, que vinha definhando frente às chantagens do centrão. Outro efeito do tarifaço foi o isolamento do bolsonarismo raiz. Assim, além do governo, parlamentares e até governadores da oposição, como Tarcísio e Zema, foram obrigados a se posicionar, envolver-se nas negociações e propor políticas compensatórias para os setores afetados. Ainda não se sabe ao certo os motivos do recuo de Trump. Em parte, pode ter contado o lobby empresarial interno dos setores importadores norte-americanos. Talvez tenha pesado também o diálogo do Planalto com as big techs, quem sabe acenando para algum relaxamento do controle das redes no Brasil. Mas, por enquanto, tudo isso é especulação. Em contrapartida, para sustentar sua fama de xerife mundial, Trump aplicou sanções financeiras a Alexandre de Moraes, numa nova afronta à soberania brasileira. Isso mostra que o presidente Yankee, para além do tema das tarifas, pretende manter as relações tensionadas com o Brasil. Mostra também que o bolsonarismo tem trânsito na Casa Branca, mas vai continuar existindo na medida dos interesses da direita norte-americana.
.Respira e embala. Lula também saiu mais fortalecido do que entrou no embate do tarifaço, seguindo a sequência positiva iniciada com o debate contra o centrão e a derrubada do IOF, embalada pelo tema da soberania e tudo isso resultando em melhoras sucessivas de aprovação, saindo de um buraco em que estava metido há quase um ano. A aprovação do governo finalmente voltou a superar a reprovação, com um crescimento na imagem positiva de Lula de 4 pontos percentuais entre junho e julho. A notícia também coincide com o anúncio de que a taxa de desocupação, usada para medir o desemprego, atingiu o menor patamar da série histórica iniciada em 2012, além da comemorada nova saída do Brasil do Mapa da Fome. A estimativa da inflação, grande vilã da reprovação, também dá sinais de queda. Com exceção de Gabriel Galípolo e sua insistência em manter os juros em níveis estratosféricos por longo tempo, a maré do governo parece ter virado. Para aproveitar o embalo, Lula tem ainda seis programas sociais que devem ser lançados nos próximos meses, como gás de cozinha grátis e crédito para reformas residenciais. Porém, ali na frente está o fim do recesso parlamentar e a incógnita se o centrão e os adictos por emendas voltarão com a mesma sede ao pote do orçamento público e intransigentes no diálogo com o governo. Só aí saberemos se a nova boa fase para o Planalto também vai enquadrar o Congresso. É possível, por exemplo, que finalmente a isenção do Imposto de Renda e a taxação de milionários avance, o que também beneficiaria o governo. Por outro lado, há quem diga que a luta pela soberania e contra o tarifaço de Trump reacendeu a Frente Ampla e não falta quem aconselhe o governo a frear o ímpeto e ir ao centro para garantir a estabilidade e um palanque robusto em 2026. Em agosto, veremos se com a moral alta, o Planalto segue dobrando a aposta e vai para cima do centrão ou se depois de dois meses de batalhas, Lula vai optar pela via da conciliação com o Congresso.
.Penúltimo capítulo. Assim como uma novela que caminha para o seu final, enquanto aguardamos o julgamento do vilão, assistimos ao destino dos personagens secundários da trama. A prisão de Carla Zambelli, mesmo excluída do núcleo bolsonarista depois das eleições, é representativa dos personagens que emergiram naquele doloroso 2018 e vão voltando para as sombras de onde saíram. Outros ex-BBBs da direita como Sara Winter, Ernesto Araújo ou Abraham Weintraub voltaram para o anonimato, mas tiveram a sorte de não estarem presos. Ao contrário do núcleo militar, como os dois generais que assumiram individualmente as responsabilidades pelos planos mais escabrosos do golpe – a morte de Lula e a prisão de Alexandre Moraes – num último gesto de sacrifício para salvar Bolsonaro, mas principalmente Braga Netto, Augusto Heleno e o próprio exército. Faltam ainda os destinos da família Bolsonaro. Ainda que o futuro de Jair pareça já estar selado, a prisão, e de Eduardo, o exílio, resta saber se os Bolsonaros vão tentar manter, à força, sua relevância eleitoral, forçando a candidatura do capitão até o final para emplacar um dos filhos. Hoje, no caso, Flávio. O problema é que outros personagens já assumiram o protagonismo e, mesmo sem os Bolsonaros, a extrema direita já está renovada para uma segunda temporada, agora estrelada por Tarcísio e Nikolas Ferreira, apoiados por um elenco de peso do centrão.
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.Lupicínio Rodrigues. No A Terra é Redonda, Walnice Galvão escreve sobre o machismo implícito nas canções de “dor de cotovelo”.
.A professora baiana Eliza Maria é a primeira matemática negra doutora do Brasil. O Negrê registra a partida da primeira mulher negra a obter um doutorado em matemática no Brasil em 1977.
*Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.