“Tristeza não tem fim
Felicidade sim”
Felicidade. Tom Jobim e Vinicius de Morais
Por Luciano Mendes
A alegria é revolucionária; mas, saber conviver com a tristeza é fundamental. E não apenas para fazer bons sambas, para lembrarmos o famoso Samba da Benção, de Vinicius de Morais. Lá o poeta canta: “Pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / É preciso um bocado de tristeza / Senão, não se faz um samba não”.
Foi assim que me vi pensando, dias destes, ao sairmos do teatro Luiz Mendonça, no Recife, onde fomos assistir à peça A Baleia, encenada por José de Abreu e sua trupe.
A peça, que é um sensível diálogo com Moby Dick, o famoso romance de Herman Melville, põe em cena um velho e obeso professor que ensina, online, a produzir trabalhos acadêmicos “de qualidade”. Em torno dele circulam a filha adolescente rebelde, que ele não vê desde que ela tinha quatro anos, uma amiga e enfermeira e um jovem missionário.
Ser feliz é a capacidade de elaborar nossos vazios e dúvidas
A “pobreza” do cenário nos remete à solidão do protagonista que agoniza num sofá, enquanto insiste em dar aulas e se recusa a ir para um hospital sob o argumento de que não tem plano de saúde.
Na peça, não há lugar para a alegria. Ali, naquele ambiente, é a tristeza que impera. Trata-se de abandonos, de morte, de falta de perspectiva, das raivas que nos habitam. O texto é pesado, as frestas são poucas e as ironias ácidas.
Mas ali, no meio daquelas tristezas todas, é possível vislumbrar a tessitura da vida. É palavreando o nojo, que é possível acessar o nojento e acolher a pessoa por trás da figura que ali se apresenta. É simbolizando as frustrações que se evita que a agressão se repita. É expondo a insegurança que a acolhida pode ser cuidadosa.
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O mundo nos promete felicidade e bem estar, e oferece remédios para todos os males, do corpo e da alma. Somos incentivados a exorcizar a tristeza, e a recusa às promessas de dias sempre felizes é vista como adoecimento. No entanto, expulso solenemente pela porta da sala, o mal-estar invade, cada vez mais, a nossa particular residência por todas as janelas que nos ligam ao mundo e ao pulsar da vida.
O filosofar sobre nós mesmos em busca dos sentidos do viver, demanda uma qualidade de introspecção que alcance nossos fantasmas, nossos medos, nossas perdas e as tristezas que nos habitam.
Ser feliz é, ao fim e o cabo, a capacidade de elaborar nossos vazios e nossas dúvidas para, afinal, convivermos generosamente com as angústias – e as tristezas – que nossa incompletude nos traz.
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo, doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal