O Coletivo Família Hip Hop tem organizado, nos últimos anos, Feiras Populares e Saraus Culturais, nos quais outros grupos e coletivos participam trazendo seus trabalhos, artes e formas de organização para um espaço de articulação em rede.
Este ano conseguimos estabelecer um cronograma de seis encontros mensais. Entre junho e novembro estamos realizando as chamadas Feiras de Arte e Cultura Popular Moinho de Vento e estamos em contato com mais de 20 experiências de economia popular. Graças a esta periodicidade, e o número expressivo de participantes, podemos avançar nos objetivos e intencionalidades políticas do projeto: promover debates em torno da importante pauta da Economia Solidária. Queremos dialogar com os parceiros produtores populares e com a comunidade sobre esta questão, num movimento de despertar consciente para a mobilização e organização popular.
E por que isso?
O modelo capitalista de economia nunca foi capaz de reproduzir a vida sem gerar desigualdades, injustiças e destruição. Quem vive nas periferias sente isso na pele.
Em Santa Maria, região administrativa do Distrito Federal, conhecemos a exploração de escalas 6×1 e o tempo que nos é roubado em deslocamentos e distâncias que transformam nossa cidade em dormitórios com escassos recursos públicos. Em sua vertente neoliberal, o capital mostra sua faceta mais predatória, voltada ao lucro a qualquer custo. Não há espaço para se pensar as relações de trabalho, crescentemente precarizadas, a sustentabilidade ou o próprio valor humano.
A Economia Solidária pressupõe o contrário disso e busca justamente trazer tais domínios para o centro do debate.
O ambientalista Ailton Krenak reflete sobre como, ao naturalizar a ideia de que somos humanos, perdemos de vista o sentido do termo, deixamos de racionalizar sobre os valores aí imbuídos, e isso traz desdobramentos terríveis para os modos que aceitamos como normais e imutáveis de organização social, política e econômica.
Os anos da pandemia foram pedagógicos: desnudaram a hipocrisia de um sistema que vende a ideia de liberdade a um preço que, ao fim e ao cabo, é impagável, porque dinheiro não se come e a vida não se devolve. Aliás, a pandemia escancarou a necessidade de mudança, propiciando reinvenções e resgates importantes, dentre os quais a própria Economia Solidária, debatida no Brasil desde a década de 1990, e que se mostrou como alternativa para populações vulneráveis e, atualmente, sobe ao patamar de política pública. Mas nem todo mundo conhece esse modelo, o que constatamos conversando com nossos parceiros.
A lei Paul Singer de 2024 define que a Economia Solidária se sustenta nos princípios de autogestão, justiça, cooperação, solidariedade, respeito ao meio ambiente e, portanto, focada no ser humano, no trabalho e na cultura. Porém, há um elemento fundamental para sua realização para além dos atributos individuais de empreendimentos criativos isolados: a organização política.
A Feira de Arte e Cultura Moinho de Vento, embora uma iniciativa pequena numa quebrada do DF, é um projeto de articulação e mobilização que representa a micropolítica que subverte o sistema e poderá revolucioná-lo somada a tantas outras ações no nosso e em outros territórios.

E por que cremos nessa potência?
Porque as periferias do mundo, no campo ou na cidade, são exemplos vivos tanto da incapacidade do sistema dominante de garantir o mínimo para as pessoas e para a natureza, quanto são exemplos de outras formas possíveis de existir, representando a resistência à selvageria do mercado.
É o MST, e não os latifúndios do agronegócio, que compartilham alimentos e conhecimentos. É a criatividade popular nas cidades que gera outras formas de trabalho, de produção de bens e circulação de mercadorias e serviços. São incontáveis as experiências periféricas na produção de saídas viáveis à exploração capitalista, mas que isoladas perdem seu veio revolucionário.
Sem organização e consciência crítica, somos seduzidos pelos discursos neoliberais do empreendedorismo: aí vem a pejotização e a plataformização, nada mais que retirada de direitos.
Por isso, as Feiras de Arte e Cultura Popular são mais que um convite a expor e vender. É mais que reunir empreendimentos criativos pontualmente. É um chamado para a organização popular e trabalho de base, sem os quais a Economia Solidária não se realiza.
É preciso alcançar uma concepção política que leve à construção de alternativas que: humanizem o trabalho, questionem o consumismo capitalista, expandam a consciência ambiental, priorizem a vida, criem uma rede de apoio para os coletivos e grupos envolvidos, possibilitem novas propostas e projetos, e enfim, despertem a consciência coletiva da produção e reprodução da vida na nossa quebrada, com beleza, arte, cultura, afeto e politização.
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*Alex Martins Silva e Paula Juliana Foltran são membros do Coletivo Família Hip Hop.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.