O governo estadunidense já deve ter compreendido que decisões do Supremo Tribunal Federal do Brasil não são negociáveis, muito menos no âmbito comercial. E isso não se aplica apenas à situação do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas também às decisões judiciais sobre o uso das redes sociais. Como, então, sair do impasse?
Alguns liberais brasileiros sonham em aproveitar o momento para obter concessões do governo brasileiro na esfera da abertura comercial, enquanto aguardam as conclusões das investigações abertas por Trump com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos Estados Unidos. Esse dispositivo legal dá autoridade legal para o Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) investigar e retaliar contra práticas comerciais consideradas desleais.
Isso pode incluir a imposição de tarifas ou outras restrições comerciais sobre produtos de países que violem acordos comerciais ou adotem práticas consideradas “injustificáveis” ou “inaceitáveis”, segundo avaliação exclusiva das autoridades estadunidenses. Não é necessário haver déficit comercial por parte dos EUA para que esse dispositivo seja acionado. Trata-se de um instrumento antigo, utilizado há décadas, o que demonstra que o uso seletivo de instâncias multilaterais, como a OMC (e antes dela o GATT), não é uma invenção de Trump.
No entanto, o que realmente abre uma brecha para uma negociação concreta, e que pode ser aproveitada por ambas as partes para sair do impasse sem demonstrar subordinação (por parte do Brasil) ou falta de pulso firme (por parte de Trump), parece ser o tema introduzido pelo encarregado de negócios dos EUA, Gabriel Escobar. Em reunião solicitada por ele ao Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade privada que representa as empresas do setor, Escobar manifestou o interesse dos EUA em minerais críticos e estratégicos brasileiros. A ideia de firmar acordos com o Brasil sobre esse tema foi bem recebida por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, como algo negociável e que sinalizaria a boa vontade do Brasil.
Trump já havia demonstrado interesse em se apropriar dos minerais críticos, como no caso da Ucrânia, em troca da retomada do fornecimento de armas e, no caso da Groenlândia, chegou a ameaçar se apropriar dessas reservas por qualquer meio.
No caso do Brasil, ao abrir uma conversa sobre esse tema Trump pode mostrar que todos os países se curvam a seus interesses. É fato que os EUA estão interessados no acesso a minerais como lítio, nióbio e terras raras, presentes no Brasil, enquanto o Brasil busca oportunidades de investimento, acesso a tecnologias e desenvolvimento econômico.
O curioso é que, embora o tema tenha sido recentemente apresentado e noticiado como uma novidade, os EUA já demonstram interesse por esses minerais no Brasil há vários anos. Ainda em 2020, o então presidente Donald Trump declarou que a dependência dos EUA em relação a minerais essenciais configurava uma emergência nacional e uma ameaça à segurança. Durante o governo Bolsonaro, foi criado um grupo de trabalho EUA-Brasil para explorar as oportunidades, mas que não avançou. E durante a Cúpula do G20, no ano passado, Joe Biden e o presidente Lula celebraram um acordo sobre minerais críticos, denominados naquela ocasião como “minerais de transição” por sua importância na transição energética.
Enquanto isso, empresas privadas já estão atuando. Um exemplo é o projeto Brazilian Nickel, da empresa TechMet, que chegou ao Brasil em 2013 por meio de sua subsidiária Piauí Níquel Metais. Em 2014, a empresa adquiriu os direitos de mineração de depósitos de níquel e cobalto na região conhecida como “Brejo Seco”, no município de Capitão Gervásio Oliveira (PI), anteriormente pertencentes à Vale S.A. Trata-se de um projeto com potencial para larga escala. Entre 2015 e 2017, a empresa concluiu o estudo de impacto ambiental para obtenção das licenças ambientais prévias de operação.
Entre 2020 e 2021, a empresa realizou um processo de due diligence – investigação aprofundada realizada antes de uma transação importante – para captar novos investimentos, com apoio da International Development Finance Corporation (DFC), uma agência do governo dos EUA criada em 2019 como alternativa ao financiamento chinês nos países do Sul Global. Ou seja, trata-se de um esforço para contrabalançar o avanço da China em mercados estratégicos, como o dos minerais críticos, oferecendo financiamento a empresas e países parceiros.
Os projetos da TechMet em operação em Capitão Gervásio Oliveira (PI) receberam a oferta de uma carta de crédito de US$ 550 milhões (mais de R$ 3 bilhões) para o desenvolvimento de uma mina de níquel e cobalto no sul do estado. O projeto estima uma produção anual de 27 mil toneladas métricas de níquel e 900 toneladas métricas de cobalto, nos primeiros 10 anos de operação. Em junho de 2025, a empresa anunciou que seu plano de negócios foi selecionado para a próxima fase de uma chamada pública promovida pelo BNDES e pela Finep, lançada em 2023 (Edital nº 753/2023). A chamada visa apoiar projetos de transformação de minerais críticos, considerados fundamentais para a transição energética (Finep, 2025).
Apesar do potencial para impulsionar o posicionamento estratégico do Piauí no mercado global de metais críticos, o projeto da Brazilian Nickel é um exemplo que evidencia uma dinâmica de inserção subordinada na cadeia de valor internacional. A empresa operadora e o fundo financiador são estrangeiros e a estrutura é voltada primordialmente à exportação de recursos. A ausência de investimentos em etapas de beneficiamento ou no desenvolvimento de cadeias industriais locais de alta tecnologia revela uma lógica subordinada a um modelo primário-exportador, com baixo potencial de geração de valor agregado nas regiões de mineração.
Outro caso é o da mineradora Serra Verde que opera em Minaçu, município localizado ao norte de Goiás. A operação mineração começou em 2024, com planos de produzir 5 mil toneladas de óxido contido no concentrado de terras raras, mais especificamente nos quatro elementos magnéticos críticos, sendo neodímio, praseodímio, térbio e disprósio. A empresa ainda é a única produtora em larga escala de elementos críticos de terras raras essenciais na produção de ímãs permanentes fora do continente asiático.
Os ímãs são utilizadas na produção de motores para veículos elétricos, turbinas eólicas, e outros produtos essenciais para a transição energética. Atualmente 90% das exportações da empresa é para China, no entanto, em outubro de 2024 a Embaixada dos Estados Unidos celebrou o investimento de US$ 150 milhões (R$ 820 milhões), feito pela Denham Capital e pelo Energy an Minerals Group, dos Estados Unidos, e pela Vision Blue Resourcers, do Reino Unido no projeto de terras raras da Serra Verde. Segundo a nota da Embaixada, o investimento demonstra o papel da Minerals Security Partnership’s (MSP), – iniciativa global focada em proteger cadeias de suprimentos minerais essenciais para tecnologias de energia limpa, reunindo 14 países e a UE para colaborar no desenvolvimento de fontes diversificadas e sustentáveis desses minerais – para a consolidação de suprimentos.
Este caso elucida mais uma tentativa de reduzir a dependência da China na cadeia global de suprimentos minerais, mas acaba também por reposicionar o Brasil como um ator cada vez mais estratégico por recursos essenciais a transição energética. A inserção da MSP, funciona também como instrumento para coordenação política e econômica aos interesses estadunidenses, demonstrando que para além de uma operação comercial, os Estados Unidos estão em articulação para reconfigurar as alianças no setor energético.
Embora as tentativas de estabelecer mecanismos de acesso privilegiado aos minerais críticos por parte dos EUA não sejam novas, o tema ganhou maior visibilidade devido ao momento de alta tensão nas relações entre os dois países e se tornou moeda de troca aceitável por ambos governos para sair do impasse.
O Brasil deveria aproveitar essa conjuntura para priorizar a elaboração de um plano nacional de mapeamento, exploração e beneficiamento desses minerais, alinhado ao seu próprio esforço de uma nova industrialização voltada à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável das áreas de mineração. Ou como disse o presidente Lula: “O povo brasileiro tem que ter direito de usufruir da riqueza que essas coisas podem produzir. É simples assim.”
Levi Manoel Santos, mestrando em Relações Internacionais e prof. Giorgio Romano Schutte, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFABC (PRI), ambos pesquisadores do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB).