Ouça a Rádio BdF

“O Brasil precisa colocar suas riquezas a serviço do seu povo”, afirma Patrus Ananias

Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional conversou com o Brasil de Fato MG

Nesta quarta-feira (6) começa a valer as tarifas de 50% sobre parte de produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos anunciadas por Donald Trump. No centro desse debate, a ideia de soberania nacional tem ganhado contornos ainda mais políticos. 

Enquanto o presidente Lula (PT) tenta negociar com o presidente dos Estados Unidos, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, coordenada pelo deputado federal Patrus Ananias (PT), segue refletindo sobre a necessidade de um olhar atento às riquezas e possibilidades do Brasil. 

Patrus Ananias já foi prefeito de Belo Horizonte e ministro nos Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Ministério de Desenvovolvimento Agrário. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, o deputado criticou a atuação da extrema direita, neste cenário, e avaliou o trabalho da Frente diante da conjuntura política atual. O episódio também abordou questões como a fome no Brasil e o avanço do projeto que visa implementar a tarifa zero em Belo Horizonte. 

Confira parte da entrevista abaixo e ouça o podcast completo pelo Spotify. 

Brasil de Fato MG –  As tensões entre Brasil e os Estados Unidos seguem elevadas por conta da expectativa de tarifas americanas de 50% sobre as exportações brasileiras. Como o senhor enxerga essa disputa e seus reflexos no Congresso Nacional? E como a Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, coordenada pelo senhor, tem avaliado o assunto?

Patrus Ananias – Há um dado importante que nós temos que considerar, que é o fim da globalização. Durante algum tempo, os donos do capital, do dinheiro, colocaram essa ideia de fim dos países, globalização, e hoje nós estamos vendo com muita evidência a prevalência dos interesses nacionais. E estamos também vivendo num mundo conflituoso. A tragédia, o que Israel está fazendo com o povo palestino, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, os tensionamentos na Europa e o governo Trump.

Que é um governo, realmente, que não tem maiores compromissos com os valores éticos, com os valores democráticos, com a paz no mundo e com a cooperação entre os países. Nesse contexto, é que nós constituímos, na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, porque nós acreditamos que o Brasil é um país continental, um país belíssimo, um país com muitas riquezas.

Riquezas no solo e no subsolo. Com todos os nossos excessos, desperdícios, somos a maior reserva de água do mundo. É aquilo que Pero Vaz de Caminha falou quando aqui chegou: “aqui, se plantando, tudo dá”.

Além da fertilidade do nosso solo, das extraordinárias possibilidades da nossa agricultura, produção de alimentos, nós temos também a riqueza do nosso subsolo. Hoje, pisada pelo mundo. O lítio, o nióbio, as terras raras… Continuamos ainda produzindo muito ouro, os minerais aqui em Minas Gerais.

Essa postura inaceitável do presidente dos Estados Unidos, intrometendo-se nos assuntos internos do Brasil, querendo decidir pelo próprio Poder Judiciário, pelo Supremo Tribunal Federal, evidencia o interesse por essas riquezas e possibilidades do nosso país.

Eu penso que é fundamental que nós nos organizemos, que o povo brasileiro se coloque de pé, em sintonia com o governo do presidente Lula, para preservarmos o patrimônio nacional, objeto dessa disputa internacional. Nós temos que manter essa fidelidade às nossas riquezas.

Claro que é sempre bom, como o governo Lula está fazendo também, buscarmos os caminhos diplomáticos, os caminhos do diálogo, mas sempre preservando os superiores interesses nacionais, os interesses do povo brasileiro. E nós entendemos que preservar os interesses do povo brasileiro é colocar a serviço do nosso povo as grandes possibilidades e riquezas do nosso país.

Então, as nossas riquezas minerais devem ser aproveitadas para o nosso bem, para o bem do povo brasileiro, devidamente industrializadas, devidamente processadas, para que o Brasil se torne cada vez mais um país defendendo a paz no mundo, um país soberano e comprometido com o presente e o futuro das nossas gerações.

Por que há essa ofensiva atualmente?

Essa ofensiva sempre existiu. Claro, no Brasil Colônia, nós mandamos para Portugal — e de Portugal para a Inglaterra — todo nosso ouro, uma quantidade imensa. Toneladas e toneladas de ouro, aqui dos nossos recursos: Ouro Preto, o diamante de Diamantina, que foi para o exterior, em detrimento dos interesses do nosso povo, quando éramos colônia de Portugal.

Depois, a nossa independência também foi uma independência que ainda precisa ser consolidada, na minha leitura histórica do nosso país. Porque nós fomos tornados independentes pelo príncipe herdeiro da coroa portuguesa, que depois se tornou rei de Portugal. A nossa independência política, importante, ela não se consolidou com a nossa independência econômica.

Continuamos sendo um país exportador de matéria-prima, produtos agrícolas, café. E as nossas riquezas minerais, os nossos produtos agrícolas, não devidamente aproveitados, não industrializados e não devidamente direcionados para o povo brasileiro, continuaram a ser exportados.

Ao mesmo tempo que nós continuamos uma nação com potencialidades extraordinárias, um país continental, um país belíssimo, com todas as potencialidades para ser um país a serviço do seu povo.

Somos a sexta ou sétima economia do mundo, e podemos estar entre as duas, três primeiras, mas estamos também — o que é inaceitável — entre os seis, sete países mais injustos e desiguais do mundo. Exatamente porque as riquezas e as potencialidades do nosso país não foram colocadas a serviço do povo brasileiro em primeiro lugar.

Um país soberano, como nós queremos o Brasil, a nossa grande e querida pátria brasileira, cuida, em primeiro lugar, do seu povo.

Claro que nós queremos relações internacionais corretas, queremos exportar corretamente os nossos produtos, buscando sempre, é claro, agregar valor, industrializando. Mas essas riquezas nacionais devem ter como objetivo primeiro possibilitar que o povo brasileiro tenha acesso a uma vida digna, tenha acesso aos direitos fundamentais: educação pública de qualidade, saúde, trabalho digno, salários decentes.  

Então, nós continuamos sendo, na República Velha, um país exportador. Avançamos nos anos 1930, com a Revolução de 1930 e o período mais nacionalista com Getúlio Vargas. Tivemos, sim, alguns avanços, mas ficamos também atrasados em outros, tanto na questão da produção e aproveitamento correto — para industrializar as nossas riquezas e potencialidades — como também o nosso povo. 

As leis trabalhistas, por exemplo, de Getúlio, em 1943, não incorporavam as trabalhadoras e os trabalhadores rurais, como não incorporavam também as trabalhadoras domésticas. Isso só veio acontecer nos anos 1960 e de maneira mais clara e inequívoca com a Constituição Cidadã, de 1988.

Mesmo assim, nós continuamos ainda com esses desafios: como colocar a serviço do povo brasileiro as grandes potencialidades e riquezas do nosso país? Esse é o grande desafio que se coloca hoje.

O presidente Lula tem uma grande sensibilidade nesse sentido. O compromisso dele, o amor dele ao povo brasileiro, especialmente aos setores mais empobrecidos — trabalhadoras, trabalhadores, agricultoras, agricultores familiares — mas nós sabemos que hoje nós temos uma conjuntura também adversa. Tanto internacional, esse avanço da direita, como no Brasil também.

Nós temos, na Câmara dos Deputados — onde eu estou presente, atuando — 513 deputados, se somarmos os deputados do campo da esquerda democrática, centro-esquerda — PT, PSOL, PSB, indo até o PDT, Rede etc. — nós não chegamos a 140 deputados.

Temos governadores de estados estratégicos, como São Paulo, Minas Gerais, de extrema-direita. E essa direita, ela tem uma história no Brasil. É uma direita golpista. Todas as tentativas e todos os golpes que nós tivemos no Brasil foram dados por essa direita.

E as pessoas que estão hoje aí, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos governos estaduais, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, na sociedade, são pessoas herdeiras desse golpismo da direita.

Tentaram dar o golpe contra Getúlio em 1954. Só não tiveram êxito porque o Getúlio foi ao gesto extremo do suicídio e mobilizou o povo brasileiro contra, o que possibilitou a eleição e o governo de Juscelino Kubitschek.

Mas, já em 1961, quando Jânio Quadros renunciou, tentaram dar o golpe. E deram o golpe em 1964, colocando o Brasil a serviço de interesses internacionais, especialmente dos Estados Unidos — que já havia se consolidado como uma nação imperialista, uma nação que quer sempre, cada vez mais, defender os seus interesses, aproveitando as riquezas e possibilidades de outros países.

Vivemos uma ditadura que durou 21 anos. E essa direita que está no Brasil hoje é a que está tentando, mais uma vez, dar o golpe: total submissão aos interesses dos Estados Unidos, nenhum compromisso com o nosso país, com o nosso povo, nenhum compromisso com as gerações presentes do nosso país e com as gerações futuras.

Daí a importância da nossa presença, da nossa luta, para defendermos claramente os interesses nacionais nesse contexto.

Nós queremos um Brasil democrático. Nós queremos conviver com as forças políticas diferentes, queremos o debate, o diálogo democrático, mas não podemos aceitar aqueles que querem derrubar, mais uma vez, no Brasil — como tentaram no 8 de janeiro de 2023 — o Estado Democrático de Direito, acabar com as liberdades democráticas, com os direitos humanos, com os direitos fundamentais, para impor no nosso país uma ditadura a serviço do capital.

Eles são serviçais dos interesses dos Estados Unidos. Nós vivemos um momento muito desafiador no nosso país, um momento em que as forças democráticas, as pessoas que têm compromisso efetivo com nosso país, estejam unidas. Porque a presença da direita está forte no mundo. Basta ver o presidente dos Estados Unidos, a maior potência do mundo.

Aqui na América Latina, nós temos a Argentina, o Equador, El Salvador com presença da direita. Também na Europa: Hungria, Itália, batendo às portas do poder na Alemanha, na França.

Portanto, é fundamental, um diálogo internacional entre as forças democráticas, as forças comprometidas com os seus países, com os seus povos, com as suas nações, que querem também um mundo de paz, onde todas as nações possam viver e desenvolver as suas potencialidades.

Veja mais