O regime de exceção permanente adotado pelo presidente Nayib Bukele em El Salvador tem inspirado governadores e candidatos no Brasil, mas não poderia ser copiado por aqui, segundo o analista internacional Amauri Chamorro. Em entrevista ao podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato, ele afirma que “é impossível aplicar a qualquer outro país aquilo que foi feito em El Salvador como forma de combater a violência”.
Chamorro contextualiza que a crise de segurança pública no país centro-americano é resultado direto de uma guerra civil, da migração em massa e da posterior deportação de salvadorenhos dos Estados Unidos, muitos em Los Angeles, onde surgiram as gangues conhecidas como “maras”, como a Salvatrucha e a 18ª.
O analista diz que a diáspora salvadorenha migrou para os EUA, onde “nasceram essas gangues […] Quando acaba a guerra, os Estados Unidos enfiam essas pessoas num avião e mandam de volta para El Salvador”. O analista acrescenta que, ao serem deportadas, essas quadrilhas se estabeleceram num país “absolutamente sem Estado”, passando a controlar territórios inteiros.
Segundo ele, o número de membros das “maras” chegou a 400 mil, contra apenas cerca de 40 mil agentes das forças de segurança salvadorenhas. “A situação de violência era tremenda, eles chegaram a ter 120 homicídios em um sábado, de guerra civil mesmo”, relata. De acordo com o analista, como “o Estado nunca teve condições de combater a capacidade dessas gangues” e “isso serve de desculpa para ele [Bukele] poder governar”.
Com a intenção de concorrer ao governo do Rio de Janeiro em 2026, o prefeito da capital carioca, Eduardo Paes, anunciou em abril que pretende fazer uma visita a El Salvador para aprender com o modelo de segurança implementado por Bukele. Diante da tentativa de importar esse modelo ao Brasil, Chamorro alerta que “aqui não há gangues, é um crime organizado. A realidade é completamente distinta.”
“Governo caminha para estado ditatorial”
O jornalista Lorenzo Santiago, correspondente do Brasil de Fato, destaca que a resposta do governo Bukele foi baseada em repressão, encarceramento em massa e suspensão de direitos, como o fim do direito de defesa. “O estado de exceção costuma ser temporário, mas em El Salvador virou contínuo”, observa.
De acordo com ele, a política de segurança conseguiu reduzir os homicídios e ampliou a sensação de segurança, o que explica em parte o apoio popular ao presidente. No entanto, “é uma política de muito encarceramento em massa e de muita repressão”, reforça.
Mesmo com denúncias de violações de direitos humanos e perseguição à oposição, Bukele conquistou uma maioria esmagadora na Assembleia e indicou juízes para a Suprema Corte. Recentemente, seu governo aprovou o fim do limite de reeleições presidenciais no país. “A política salvadorenha do Bukele caminha muito para esse estado ditatorial”, avalia Santiago.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11h no Spotify e YouTube.