Um roteiro repetido, é como os Estados Unidos atuam contra a Venezuela: ameaças de sanções, não reconhecimento das eleições, denúncias de grupos criminosos e recompensa por Maduro. Todos esses capítulos já foram vividos diversas vezes pelo governo venezuelano e é um expediente usado mais uma vez pela Casa Branca também em 2025, mas agora, com um novo elemento, a petroleira Chevron.
Os Estados Unidos têm tratado a empresa como instrumento de pressão sobre a Venezuela. Depois suspender as operações da Chevron do país caribenho, a Casa Branca concedeu uma licença privada para que a companhia volte a operar, mas sob novas condições.
De acordo com agências internacionais de notícias, uma das condições seria a proibição de que a empresa repassasse valores das exportações para o governo venezuelano, repassando, em vez de dólares, parte da produção petroleira para que a Venezuela use como queira.
Mas o ministro do Interior, Diosdado Cabello, nega que o acordo funcionará assim, por a autorização ter caráter privado e que os detalhes estão sendo negociados diretamente entre os dois governos. Segundo ele, a Chevron vai, sim, pagar os royalties acordados nos contratos.
“Só a Casa Branca, o governo venezuelano e a Chevron conhecem as condições, o escopo e os detalhes da medida. Todo o resto é ficção”, disse.
Para engenheiros da PDVSA ouvidos pelo Brasil de Fato, não está claro ainda o que vai acontecer em relação a esses pagamentos, mas a tendência é que se mantenha a licença geral 35, que permite que a Chevron e empresas estadunidenses paguem impostos, taxas de importação, registros, certificações e serviços públicos do Estado venezuelano, se essas transações forem necessárias.
Eles afirmam que, se confirmada a proibição de repasses dos valores da exportação, a tendência é que o governo tenha que vender esse petróleo para outros mercados. No começo do ano, no entanto, o governo de Donald Trump havia anunciado uma sobretaxa de 25% aos produtos de qualquer país que importe produtos venezuelanos.
Ataques em notas
A volta da Chevron com indefinições acontece ao mesmo tempo em que a diplomacia estadunidense sobe o tom contra o governo venezuelano. No final de semana em que foram realizadas as eleições municipais da Venezuela, o Departamento de Estado dos EUA classificou o Cartel dos Sóis como uma organização terrorista internacional e disse, sem apresentar provas, que essa suposta organização venezuelana seria liderada pelo presidente Nicolás Maduro.
Em 27 de julho, o perfil da embaixada dos EUA na Venezuela publicou nas redes sociais uma mensagem “ao povo venezuelano” afirmando que “Maduro e seu regime criminoso não durarão para sempre e a terra de Bolívar voltará a ser democrática e livre”. No mesmo dia, o vice-presidente de Defesa e Soberania da Venezuela, Vladimir Padrino López, disse que as Forças Armadas venezuelanas identificaram o voo de uma aeronave de inteligência RC-135 da Força Aérea dos EUA “orbitando aproximadamente 80 milhas ao norte da Venezuela”.
Na semana seguinte, a Agência Antidrogas (DEA) reforçou que existe uma recompensa de US$ 25 milhões (R$ 136 milhões) para quem tivesse informações que pudessem levar à prisão de Maduro. Para Betzabeth Aldana, analista do grupo Missão Verdade, isso faz parte de um jogo duplo da Casa Branca que mostra que qualquer acordo estabelecido pelos EUA pode mudar a qualquer momento.
“Eles sempre vão agir de acordo com seus interesses. Farão o que bem entenderem. Fazem um acordo hoje, mas podem mudar em uma semana, dependendo das condições que surgirem, tanto geopolíticas quanto internas. É um comportamento muito ambivalente, pendular, que por um lado dá uma garantia de que os acordos podem ser cumpridos, mas no mês seguinte você não tem mais garantias”, afirmou ao Brasil de Fato.
Além da negociação entre os dois governos, há também pressão da Chevron para que a autorização seja aprovada. A empresa atua há quase 100 anos na Venezuela – até 1985 sob o nome Gulf Oil – e, além de uma infraestrutura montada no país, trabalha em conjunto com a estatal petroleira venezuelana PDVSA na produção de barris.
Um desses casos é a Petroindependência, empresa mista que pertence majoritariamente à PDVSA (60%), mas tem participação de 34% da Chevron. De acordo com a lei de hidrocarbonetos da Venezuela, as empresas mistas devem pagar 33% de royalties para a PDVSA e 50% de imposto de renda para o Estado.
A empresa estadunidense tem participação também em outras três empresas mistas nas quais ela é sócia minoritária da estatal venezuelana PDVSA: Petropiar, Petroboscán e Petroindependiente.
De acordo com Aldana, essa pressão interna nos EUA parte de lobistas do próprio setor petroleiro. Ela também lembrou do retorno de 252 venezuelanos que estavam presos em El Salvador e disse que esse conjunto de fatores mostram uma vitória diplomática para Caracas
“Primeiro, ao obter essa licença, não para nós, mas para a Chevron e seus interesses aqui na Venezuela. E segundo, porque conseguimos recuperar aqueles reféns que estavam em El Salvador. A Chevron é a que mais se interessa em estar na Venezuela. Sempre fomos abertos. Quando você quiser, sob nossas condições soberanas, estamos dispostos a fazer negócios com você. Não tem problema. Se não for você, outros virão, e se não for ninguém, seremos nós”, afirmou.
Existe também uma divisão interna na estrutura do Partido Republicano hoje. Uma ala mais ligada ao enviado especial Richard Grenell pretende negociar com países considerados “rivais” dos EUA, enquanto o grupo ligado ao secretário de Estado, Marco Rubio, defende uma linha de aumento da pressão contra países como Venezuela, Cuba, Rússia, Irã e China.
Na segunda-feira (4), Maduro minimizou a presença da empresa no país e usou o crescimento do PIB como argumento. Os dados do Banco Central da Venezuela indicam que a economia do país cresceu 7,71% no primeiro semestre de 2025. Segundo o mandatário, a Venezuela continuará apresentando crescimento independente da presença da petroleira.
“Os jornalistas ficam perguntando sobre a Chevron, Chevron, Chevron… parem com essa bobagem, ok? A Venezuela, com ou sem Chevron, está crescendo muito e avançando por conta própria. Agora eles estão de volta, ‘welcome, welcome, welcome’. Qualquer um dos Estados Unidos que queira vir e investir é bem-vindo”, disse em seu programa.
Para Aldana, a aliança com países do Sul Global é fundamental devido às sanções impostas pelos Estados Unidos, que atingem vários países.
“O regime de sanções não se baseia em garantias, mas sim em coerção, e não podemos nos esquecer disso. É por isso que esforços contínuos têm sido feitos aqui para criar políticas internas e, com aliados em nível internacional do Sul Global, para sempre termos alternativas, porque sabemos que estamos sempre sob essa ameaça, porque é assim que funciona a política externa dos EUA”, afirmou.
Brasil também na mira
O impasse com a Chevron na Venezuela acontece no mesmo momento em que Trump assina um tarifaço que sobretaxa em 50% uma série de produtos brasileiros, o que, na prática, equivale a sanções contra o Brasil.
Para Aldana, é preciso postura firme do governo Lula contra os Estados Unidos não só agora, mas também por tudo que o país têm feito contra os latino-americanos. Ela entende que o presidente brasileiro ainda tem tido uma posição ambígua, de querer negociar com os Estados Unidos enquanto é atacado.
“Lula tem sido muito ambíguo. Você tem que parar o império, sem nuances. Você pode querer ser amigo deles, mas você não é. Eles não consideram nenhum país como aliado. Você é um amigo enquanto houver interesses envolvidos. A ambiguidade de Lula está custando caro a ele, porque eles estão atacando de qualquer maneira”, disse.