Discursando em um palco-arena para um público de milhares de “empreendedores”, o CEO do iFood, Diego Barreto, falava num “estilo TED Talks”, caminhando de um lado para o outro sob luzes vermelhas como a da sua marca. Do lado de fora do São Paulo Expo, onde aconteceu o iFood Move, maior evento para restaurantes da América Latina, entregadores penduravam faixas denunciando a “escravidão moderna” e reivindicando, entre outros pontos, que a taxa mínima por corrida suba de R$ 7,50 para R$ 10. Acendendo uma churrasqueira no estacionamento, falavam como o evento “multimilionário” se ergueu às suas custas.
Em coletiva de imprensa na última terça (5), durante o primeiro dos dois dias do evento, Barreto discordou da alegação dos entregadores de que não foram “convidados” para a festa. “O evento é aberto. O evento não diz ‘você pode, você não pode’”, afirmou. Com seis palcos simultâneos e celebridades como Usain Bolt entre os palestrantes, o iFood Move esgotou seus 12 mil ingressos que, no último lote, custavam em média R$1,3 mil por dia.
Como argumento, Barreto citou que um dos organizadores do Breque Nacional dos Apps, mobilização que paralisou a categoria em cerca de 70 cidades entre março e abril deste ano, estava presente no evento. Nos stories, o antigo grevista e influenciador fez posts elogiando o iFood Move, a boa relação com o CEO do iFood, falou que os “haters” não querem ver ele “crescer”, têm inveja dos patrocínios. “Aqui dentro não tem nada de motoboy, a gente está buscando conhecimento”, filmou dentro do evento. No post, uma chuva de comentários “vendido”. Outro perguntou: “foi de quanto o Pix?”
Subpraça
Do lado de fora, nos adesivos das bags, a mais recente crítica da categoria contra o iFood se voltava para uma nova modalidade do app. O “subpraça” prevê que o trabalhador agende o horário em que vai atuar, recebendo um valor fixo por hora e outro por entrega. Ambos os preços são variados, mas a remuneração por corrida pode chegar a R$ 3,50, quase a metade da taxa mínima.

Os entregadores argumentam que em cidades como Recife (PE) e Campinas (SP), onde o modelo foi implementado, quem não adere ao agendamento está deixando de receber pedidos e, assim, se vê coagido a ver a já baixa remuneração minguar. “Quem move o iFood somos nós”, resume João Viktor, entregador de bike.
Anúncios miram inovação
Em sua palestra, intitulada “Construindo juntos um ecossistema que move o Brasil”, Diego Barreto anunciou “a Cris”, agente de inteligência artificial para donos de restaurantes. Também mostrou um “assistente inteligente” que “entende o comportamento” dos consumidores para auxiliá-los na hora de pedir comida. “Você passa a ter uma relação conversacional”, elogiou.
Barreto espelhou seu celular no telão para fazer uma demonstração. A foto de uma criança com barro no rosto foi projetada. “Esse sou eu pequenininho, gente. Sabe por que ponho essa foto aí?”, fez uma pausa antes de seguir. “Para lembrar de onde vim”, disse o CEO do iFood, nascido em uma família de classe média alta de Uberaba (MG).

“O time” do iFood que “está no front” “nem cabe aqui”, pontuou Barreto, depois de slides que, em uma crescente, encheram o telão de fotos 3×4. Ao estilo “coach” falou, enquanto caminhava, que a gigante do delivery “não é uma empresa de executivo”. “É uma empresa de gente que vem para empreender. E empreendedor não fica no lugar. Empreendedor rala, empreendedor se fode 80% do tempo. Mas tem um propósito diferente”, se orgulhou.
“Eu não estou aqui atrás de parecer melhor do que os outros. Eu estou atrás de ser melhor do que o eu de ontem”, afirmou Barreto pouco antes de encerrar. O palco, então, foi assumido pela apresentadora esportiva da TV Globo, Bárbara Coelho, comentando que “quem não usa iFood não está na Terra. Está em Marte, só pode”.
“Quem move o futuro”
Em meio a tapetes vermelhos combinando com as luzes artificiais que iluminavam o enorme centro de exposições na zona sul da capital paulista, se espalhavam stands do iFood, de empresas alimentícias, de tecnologia e consultoria para “foodservice”. No meio, o “Startup Village”. Logo na entrada, uma fila se formava para tentar a sorte em uma máquina de garra de pelúcias em formato de pizza e hamburguer.

Entre os temas dos painéis, “IA e dados: o que os grandes fazem que você pode aplicar hoje”, “Foodturo digital: como construir desejo através dos canais digitais”, “Como aumentar vendas no canal próprio e lucrar mais com IA” e “A pressão silenciosa do empreendedorismo”.
Em um dos palcos laterais voltados para “aulas práticas” e chamados de “Academia de delivery”, um empresário contou que começou como entregador de bike de um açougue. Hoje é um influencer com 1,3 milhão de seguidores no Youtube e dono da rede de açougues que, em modelo de franquia, está em 12 estados do país.
No outro palco, com o telão projetando o dado de que 50% dos restaurantes fecham as portas até o segundo ano, o palestrante pediu que levantem as mãos os que têm estabelecimento há mais tempo. “Uma salva de palmas para vocês, são vencedores desta barreira”, estimulou.
No stand “Central de crescimento”, o iFood vendia o que chama de “alavancas” para o restaurante prosperar. Em uma grande mesa-telão interativa, a pessoa podia mover um boneco de entregador para que saltassem aos olhos dados de que vale mais a pena usar o serviço do app do que contratar um trabalhador próprio para o estabelecimento. “Tempo estimado de entrega com iFood 45 minutos, com entrega própria, 56 minutos”, estampava a tela colorida.
“Fórmula” de Bolt
O ex-velocista jamaicano Usain Bolt foi a principal atração do iFood Move. Depois de se aposentar das pistas, onde tornou-se multicampeão olímpico, Bolt abriu uma rede de restaurantes. Sua palestra, propagandeada com correlações de que mostraria como “quem acelera com propósito” pode “moldar seu próprio futuro”, tinha o título “Consistência e excelência: a fórmula de Usain Bolt”.
Bolt falou que a chave está em impressionar o cliente, que no caso do seu negócio, oferta um pouco da “vibe” da cultura jamaicana. No retorno ao Brasil depois de nove anos das Olimpíadas do Rio de Janeiro, onde consagrou-se tricampeão olímpico dos 100 metros rasos, Usain passou pelo iFood Move e selou a gravação de uma cena, com merchandising de sabonete, na novela global Vale Tudo. No palco do iFood, o ex-atleta de 37 anos afirmou que pretende se aposentar completamente aos 45 anos.
A metros dali, no churrasco organizado por vaquinha, protestavam os entregadores cuja perspectiva de conseguir se aposentar – em qualquer idade – nem se vislumbra.
As previsões de que a gigante que monopoliza o mercado de delivery no Brasil se move em direção a uma maior expansão deram a tônica do iFood Move. Durante sua palestra, Diego Barreto chamou pelo nome ou apelido alguns de seus sócios, antes de multiplicar o telão com fotos de centenas de funcionários. Descreveu características de alguns, “como o Bruno”: “É o paranoico de acordar todos os dias, incluindo o sábado domingo dizendo, ‘porra, temos que crescer mais’”. Das 120 milhões de vendas mensais no país, a empresa tem a expectativa de, em três anos, saltar para 200 milhões.