Condição que atinge quatro entre dez pessoas adultas no Brasil, o colesterol alto costuma ser um sinal de hábitos de vida pouco saudáveis. No entanto, uma análise mais aprofundada do cenário mostra que o problema está longe de ser apenas uma questão individual e é também um reflexo das desigualdades e das dinâmicas políticas e econômicas que moldam o consumo de produtos nocivos no Brasil.
A tríade composta por alimentos ultraprocessados, cigarro e bebida alcoólica — reconhecida como fator de risco para diversas condições crônicas — também pesa consideravelmente no aumento do colesterol. Frente ao cenário, é natural a conclusão de que as decisões do poder público em relação à regulamentação desses produtos têm o potencial de impactar diretamente os índices de saúde da população.
Considerado um dos fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares como o infarto, o colesterol alto tem índices preocupantes em território nacional. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a incidência ultrapassa os números dos Estados Unidos.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, do Brasil de Fato, Laura Cury, coordenadora do projeto de controle de álcool da ACT Promoção da Saúde, aponta que a situação é ainda mais cruel para as populações vulneráveis.
“Muitas vezes é essa população que acaba consumindo mais ultraprocessado, porque ele é mais acessível, é mais barato e está disponível em toda parte. Temos, por exemplo, o que chamamos de desertos alimentares, onde não há outro tipo de comida à disposição. Há um problema de consumo que afeta a população que mais depende do Sistema Único de Saúde. Então, também sobrecarrega o SUS”, explica.
O desequilíbrio nos níveis de colesterol impulsionado por esses alimentos pode levar à formação de placas de gordura nas artérias (aterosclerose), aumentando drasticamente o risco de infartos e AVCs, condições que podem ser fatais ou deixar sequelas permanentes. Além disso, o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a um risco 20% maior de mortes por todas as causas, incluindo as doenças cardiovasculares.
Além dos ultraprocessados, o tabagismo e o álcool também são fatores de risco significativo. O fumo contribui para a diminuição do colesterol bom (HDL) e oxida o colesterol ruim (LDL), favorecendo o acúmulo de placas nos vasos sanguíneos, além de causar inflamação sistêmica. O álcool, por sua vez, eleva os triglicerídeos e pode alterar o metabolismo do HDL e LDL, além de sobrecarregar o fígado.
“É muito difícil avançar em todo o mundo, e no Brasil não é diferente. Temos um excelente exemplo com o controle do tabaco. O que foi feito com tabaco precisa ser estendido aos demais fatores de risco como ultraprocessados, como álcool. Estamos trabalhando com costumes muito arraigados, uma indústria com muito dinheiro e poder. Isso sempre dificulta. Mas acho que temos também bons exemplos e boas oportunidades”, diz.
Entenda o colesterol alto
O colesterol é uma substância essencial para o corpo, produzida principalmente pelo fígado (70%) e obtida por meio de alimentos (30%). Ele atua na formação das membranas celulares, na produção de hormônios e de vitamina D.
No entanto, o excesso de gordura e o desequilíbrio entre os tipos de colesterol, o LDL e o HDL, podem causar problemas. Enquanto o LDL transporta colesterol para as células, podendo se acumular nas artérias, o HDL remove o excesso, protegendo o sistema cardiovascular.
Também conhecido como hipercolesterolemia, o colesterol alto pode ser causado por diversos fatores, incluindo genética, dieta rica em gorduras saturadas e trans, falta de atividade física, obesidade e certas condições médicas.
O consumo excessivo de carnes gordurosas, laticínios integrais, embutidos e ultraprocessados eleva o LDL no sangue, assim como o uso contínuo de bebidas alcoólicas. Fatores como tabagismo, poluição e estresse oxidam a gordura, que gruda nas paredes das artérias, iniciando a formação de placas.
As células de defesa do corpo tentam remover o LDL oxidado, mas acabam se transformando em células espumosas que contribuem para os danos. Além disso, o hábito de beber e fumar e a falta de atividade física diminuem o HDL. É como se o corpo perdesse a capacidade de se autolimpar.
A condição não tem sintomas iniciais perceptíveis. Quando os sinais aparecem — como dor no peito (angina), fadiga extrema ou formigamento nos braços e pernas — já indicam artérias gravemente obstruídas. Isso explica porque muitas pessoas só descobrem o problema após um infarto ou um AVC.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece diagnóstico, acompanhamento, tratamento e ações de prevenção gratuitamente para a população. Medicamentos como estatinas estão disponíveis na Farmácia Popular, e casos graves são encaminhados para a alta e a média complexidade.