Mais conhecida como ‘a bruta, a braba, a forte’, N.I.N.A faz parte de um novo movimento do rap e hip-hop que tem tomado conta da cena: a representatividade feminina, sobretudo preta. ‘Quando eu comecei eu já tinha noção de que ia ser muito mais difícil para mim sendo uma mulher preta”, diz a rapper.
Para ela, o rap feminino tem se estruturado como um norte para as meninas pretas e para a comunidade LGBT+. “É muito importante tudo que falamos, a forma que nos impomos nas músicas, mostrando liberdade e também confiança, coragem principalmente”, explica.
N.I.N.A, nome artístico de Ana Ferreira, saiu do Rio de Janeiro para dominar o cenário do rap nacional. Com quatro anos de carreira, a cantora se apresentou no Rock in Rio em setembro do ano passado.
A rapper é uma das maiores estrelas do grime e do drill no país, estilos que podem ser classificados como desdobramentos do trap e do rap. ‘Pele’, seu primeiro álbum, lançado em 2022, foi um verdadeiro sucesso, acumulando mais de 300 mil visualizações na primeira hora de lançamento, e hoje contabiliza mais de 9 milhões de reproduções.
Em 2023, a cantora lançou o seu segundo álbum, intitulado PTOGQJM. Algumas músicas contam com a parceria de outros cantores nacionais, como Baco Exu do Blues, Thiago Pantaleão e MC Luanna.
N.I.N.A é uma das atrações confirmadas no Festival CoMa, festival de música alternativa que acontece anualmente em Brasília. No próximo dia 23 (sábado), ela dividirá o palco com outros nomes do rap nacional, como Don L, FBC e Budah.
Em entrevista ao Brasil de Fato DF, N.I.N.A abriu o coração e detalhou a trajetória profissional e pessoal durante esses cinco anos.
Veja a entrevista completa:
Como você enxerga a influência do rap feminino na autoestima de meninas pretas?
É muito doido porque eu acho que estou muito nessa perspectiva da pessoa que está ajudando a construir a autoestima feminina das meninas pretas. Lembro que quando comecei a fazer música, pensava muito que precisava de alguém que me trouxesse um pouco dessa confiança, dessa autoconfiança, dessa segurança que eu mesma não tinha. E aí eu criei a N.I.N.A.
Hoje enxergo que o rap feminino atua muito como um norte na vida das pessoas. Não só das meninas, mas também de toda a comunidade LGBTQIAPN+. É muito importante tudo que falamos, a forma que nos impomos nas músicas, mostrando liberdade e também confiança, coragem principalmente. É uma honra, fazer parte disso, ser uma ‘engrenagenzinha’ ali da máquina que faz isso funcionar. Acho absurdamente lindo.
O mercado do rap e do hip-hop ainda é muito voltado para os homens. Na sua visão, quais são os desafios de ser uma mulher dentro desse espaço?
Quando comecei já tinha noção de que ia ser muito mais difícil para mim sendo uma mulher preta.
Nós vamos de frente não só com os homens dentro dessa cena, mas com a própria autossabotagem da nossa mente. Quando vemos que algo que fazemos não tem tanto impacto quanto um homem faz algo tão meia-boca. Às vezes é frustrante ver que estou levando um ‘balézão’, um ‘porradão’ de galera para cima de um palco, e aí aparece um cara com uma camisa de tinta, uma bermuda e um chinelo, cobrando três vezes mais o valor de um cachê e fazendo um show extremamente meia boca. E a galera ainda dá mais visibilidade e credibilidade para esse tipo de pessoa.
Hoje eu enxergo que temos muito essa divergência, mas que quando falamos de construção, as mulheres têm uma construção muito mais sólida do que os homens quando se trata do rap.
Porque a nossa música não é só sobre estilo de vida, é sobre essência, sabe? É muito sobre verdade. Então, eu vejo que nós vivemos numa corrida de cavalo. Páreo a páreo, todo mundo correndo, cada um procurando o seu. Só que na hora de construir sinto muito orgulho quando se trata do meu trabalho, principalmente das outras mulheres da cena, fazendo acontecer. Sinto muito, muito, muito orgulho. E eu vejo que é algo que vai reverberar durante anos.
É complicado, é doloroso, é muito difícil ser mulher nessa cena.
Isso é algo que não dá para colocar em palavras, mas também é muito gratificante ver que mesmo com tudo acontecendo assim, mesmo com várias barreiras, vários problemas, a gente faz acontecer. Porque antigamente, meu maior medo era: ‘o que as pessoas vão pensar?’ E hoje em dia eu fico: ‘meu Deus, caraca, tô doida para mostrar o que eu tô falando para essa galera’. Ver que o pessoal consome e abraça nosso trabalho cada vez mais é lindo.

‘O rap é para isso: conscientizar, ajudar, para ser um comunicador mesmo’
Temos visto o aumento da violência contra mulheres, especialmente nas periferias e regiões mais vulneráveis. O rap e o hip-hop sendo a expressão artística desses territórios, como você enxerga o papel da música na conscientização sobre autocuidado, proteção e no enfrentamento da violência contra as mulheres?
Uma coisa que mexe muito comigo é quando entro em alguma rede social, encontro alguém na rua, e a pessoa fala para mim que conseguiu sair de um relacionamento abusivo graças à minha música.
Por mais que a gente tenha informação, tenha acesso, tenha tudo aquilo à nossa frente, só sabemos o que é um relacionamento abusivo, o que é viver aquilo ali, quando sente na pele. Hoje, quando falam do nosso trabalho como algo que conscientiza, eu sinto que estamos muito no caminho certo. Sinto que é muito por esses caminhos mesmo.
Quando sofri violência doméstica, eu só precisava de alguém que estivesse ali falando: ‘olha, você não está errada em se escolher primeiro, não está errada em estar focando no seu trabalho, no seu bem-estar, no seu psicológico, você não é uma mulher fraca por ter passado por isso.’
Quando nos afirmamos: ‘como eu sou grandiosa, sou uma mulher preta foda, eu sou a bruta braba forte’, são coisas que dão força para sair desse quadro.
Acho que o rap é para isso: conscientizar, ajudar, para ser um comunicador mesmo.
É para trazer, além de só entretenimento e cultura, também segurança, trazer saúde, conhecimento. É para trazer muita coisa. Acho que é muito importante, muito bonito, muito bom também enxergar a partir desse ponto de vista. Espero que todas as pessoas se sintam acolhidas e se sintam confortáveis, porque estou aqui para ajudar. Temos que ter sempre uma rede de apoio.
Qual a expectativa para o show em Brasília no dia 23 de agosto?
Estou ansiosa, extremamente ansiosa. Porque agora está sendo um ponto muito importante da minha carreira. Voltei a ser independente, estou começando a tocar um novo projeto. Está sendo [feito] tudo com calma, com cautela, com cuidado. Ter esse contato de novo com o público está sendo muito importante para mim, para entender que o tempo não é vilão nesse caso, e que ele está realmente sendo algo que tem me ajudado a construir tudo que eu quero ser, tudo que eu quero fazer acontecer, tudo que eu quero mostrar pro público.
A minha expectativa é aquela de matar a saudade. É difícil. Eu estou bastante assim, com essa expectativa de matar a saudade. E, principalmente, de ver a reação da galera, com o tanto que mudou o show.