A médica e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lígia Bahia, caracteriza como “sem sentido” a decisão do governo dos Estados Unidos de suspender vistos de pessoas que participaram do programa Mais Médicos, sob a alegação de que o programa apoiaria trabalho forçado em Cuba.
Para ela, vincular os médicos cubanos a posições políticas, estabelecendo sanções como essa contra o Brasil “distorce completamente o que é a natureza dos médicos, dessa iniciativa de Cuba de atender pedidos de países que necessitam de médicos e distorce, também, o atual governo, pessoas que estão à frente do atual governo”.
“Não faz nenhum sentido que essas pessoas tenham visto revogado. Se todos os contratos, todas as relações com os Estados Unidos, todas as pessoas envolvidas tiverem seu visto revogado, isso vai ser uma tragédia, porque as universidades [brasileiras] têm convênios com as universidades americanas, com os institutos de pesquisa americanas”, ressalta.
Na sua avaliação, a sanção aplicada a Mozart Júlio Tabosa Sales, atual secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, e a Alberto Kleiman, ex-funcionário do governo brasileiro visa “causar medo, um certo temor”. “Se isso aconteceu com esse funcionário público, tão dedicado, pode acontecer comigo também”, reflete. Segundo ela, Sales é “completamente dedicado, ultra especializado, com um currículo muito singular, muito adequado ao cargo que exerce”.
Bahia destaca a tradição de solidariedade de Cuba e o papel histórico de seus médicos em apoiar populações de países de baixa renda. “A saída dos médicos cubanos para o mundo é um processo antigo que vem sendo estudado por todos nós. Estudamos sistemas de saúde, os médicos cubanos atuam em diversos países, inclusive, que não são países governados pela esquerda. […] Na realidade, o critério sempre foi o apoio às populações mais desfavorecidas”, aponta.
Mais Médicos e a interiorização
Sobre a relevância do Mais Médicos no Brasil, Lígia lembra que o programa tornou possível a presença de médicos em regiões de difícil acesso. “A importância dos Mais Médicos foi total. Tínhamos um Brasil no qual havia essa dúvida: é possível alocar médicos nos interiores e nessas regiões de difícil acesso? E agora a gente sabe que sim, é possível. E o programa continua, agora não com médicos cubanos, mas com médicos brasileiros”, explica.
A professora também lembra a resistência de setores da medicina à interiorização. “Houve muitas críticas de entidades profissionais médicas, principalmente os conselhos de medicina. E houve, digamos assim, uma campanha pelo Brasil, houve pessoas que se dedicaram a viajar pelo Brasil inteiro para ser contra os Mais Médicos”, conta.
No entanto, ela destaca que o Mais Médicos “se tornou uma política estruturante”. Ela ressalta que nem o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL) teve a coragem de acabar com o programa, “que estava dando muito certo”, renomeado na época como Médicos pelo Brasil.
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