Olá!
Enfrentar Trump e compensar o empresariado cai bem. Mas sem esquecer que a especialidade do centrão é sempre amarga.
.Guerra de posição. Nas entrelinhas das medidas anunciadas pelo governo para enfrentar os impactos do tarifaço de Trump está a percepção de que a guerra vai ser longa.
O pacote dividido em três eixos – fortalecimento do setor produtivo, proteção ao trabalhador e diplomacia – aposta em créditos e benefícios fiscais para mitigar os efeitos, mas também mira no mercado interno e em novos parceiros comerciais no caso de uma situação que, no mínimo, não tem data para acabar. Como, aliás, se viu na reação imediata dos Estados Unidos, com sanções contra autoridades e servidores envolvidos na antiga versão do Mais Médicos.
A justificativa foi carregada de distorções ideológicas, bem ao gosto do trumpismo, e mais uma vez comemorada por Eduardo Bolsonaro, sinalizando que os EUA podem começar a sancionar e bloquear qualquer brasileiro aleatoriamente desde que sirva de pressão para impedir o inevitável, a condenação definitiva de Bolsonaro e dos golpistas.
Mais do que isso, como o próprio Lula já deixou bem claro, o objetivo de Trump é influenciar as eleições presidenciais do próximo ano para ter uma versão tupiniquim de Milei, dócil e subordinado a Miami. Porém, até aqui, Trump só conseguiu aumentar o sentimento anti-americano entre os brasileiros e, com exceção do agronegócio, mover o apoio do empresariado às medidas de Lula contra o tarifaço.
Além disso, uma rara unidade de governantes latino-americanos também têm se formado contra os EUA. Para ajudar, no cenário interno, a inflação dos alimentos vem diminuindo, na esteira do dólar mais baixo, com expectativas de seguir caindo até o próximo ano. O mês de setembro pode impulsionar ainda mais o governo, dependendo das manifestações previstas para o 7 de setembro e para o fim do julgamento dos golpistas. O problema é saber se o Congresso entendeu a mudança da conjuntura e não vai atrapalhar ou se vai prevalecer o fisiologismo do centrão.
.Saindo da inércia. Desde que o centrão resolveu botar as garras de fora contra o governo e derrubar os decretos do IOF em junho, o Congresso entrou em recesso. Por isso, a volta ao trabalho na última semana foi crucial para o governo tirar o atraso nas matérias de seu interesse, principalmente a regulamentação das big techs e a reforma do Imposto de Renda. Também é a oportunidade do Planalto saber se o embate com Donald Trump, que ajudou Lula a recuperar ligeiramente a popularidade nas ruas, vai se reverter também em apoio parlamentar.
Antes, porém, é necessário limpar os entulhos que os bolsonaristas deixaram pelo caminho. O principal deles é a própria fragilidade de Hugo Motta, que não conseguiu garantir uma punição à altura da afronta que recebeu. Ainda assim, o colégio de líderes decidiu retirar de pauta o pacote da impunidade, que visava destituir o monopólio do STF no julgamento de réus com foro privilegiado, gerando esperneio no bloco bolsonarista. Para compensar, Motta usou o velho artifício de comprar o apoio dos dissidentes com liberação de emendas.
Outro entrave aos interesses do governo seria a possível derrubada dos vetos de Lula às mudanças no Licenciamento Ambiental e o aumento do número de parlamentares, além de uma CPI no meio do caminho. Para piorar, a lista de prioridades no Congresso é extensa e complexa, incluindo também a PEC da Segurança Pública, o Plano Nacional de Educação, a Reforma Administrativa, a regulamentação do trabalho por aplicativo e medidas de combate às fraudes no INSS.
Com tudo isso, a discussão sobre a reforma do Imposto de Renda deve se prolongar até dezembro. Até lá, o relator Arthur Lira trabalhará para substituir a taxação das grandes fortunas por um aumento de tributos sobre as Bets, ao gosto de mercado.
Por outro lado, a opinião pública atropelou a pasmaceira do Congresso com a enorme repercussão da denúncia de Felca sobre o papel das big techs na exposição de crianças e adolescentes nas redes. O fenômeno mostra não só que é possível pautar a política desde fora, mas que a esquerda também pode tomar para si pautas que tradicionalmente os conservadores monopolizam. Apesar do consenso em torno da importância do tema, devem ocorrer disputas dentro da Câmara entre iniciativas que buscam individualizar o problema e as punições ou regulamentar e responsabilizar as big techs pelos conteúdos que circulam nas redes, como quer o governo.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.MAGA: Como o tiro de Trump sai pela culatra. No Outras Palavras, Timothy Hopper mostra como as ações de Trump aprofundam o isolamento dos Estados Unidos e favorecem a ascensão chinesa.
.Onda ‘anti-woke’: a diversidade está desaparecendo dos filmes e da publicidade? O G1 analisa o impacto da guerra cultural de Trump.
.Entenda item por item da agenda de negociação da COP30: pequenos avanços e omissões gritantes. Rumo a uma conferência com combustíveis fósseis e sem metas nacionais para conter o aquecimento global. Na Sumaúma.
.O que está por trás dos altos preços de hospedagem para a COP 30? No Le Monde, Bruna Balbi mostra como a desmoralização de Belém como cidade sede só serve a velhos interesses.
.O mapa real do tarifaço de Trump nos estados brasileiros. O Tab Uol mapeia as regiões e setores mais prejudicados.
.Gamificação do trabalho pelas plataformas de delivery põe em risco a vida de milhares de entregadores e enlouquece ainda mais o trânsito. O Metrópoles mostra como a manipulação dos apps causa acidentes.
.O jornalismo de irrelevância, da notícia de dez linhas. No GGN, Luís Nassif denuncia o jornalismo preguiçoso que se alastra pelos portais de notícias.
Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.