O artista brasileiro Fernando Sawaya, conhecido como Cazé, tem uma metodologia própria para pintar um mural em uma cidade nova. Ele chega ao espaço, conversa com as pessoas, tira fotos, caminha pelos bairros e pega as referências daquele território. Não foi diferente na Venezuela. Cazé chegou ao país caribenho na última semana para participar do festival Ciudad Mural e jogou luz e cores de seu trabalho nas obras que ficam em território venezuelano.
A primeira parte da viagem foi em Caracas. Cazé foi convidado para pintar um mural em Chacao – município da área metropolitana da capital venezuelana. A ideia, então, foi percorrer uma parte do município para identificar as principais referências. A representação das pessoas é parte fundamental do trabalho de Cazé. Para isso, o contato com a cidade é importante.
“O meu trabalho gira em torno das esquinas e do que eu vivo no espaço. A construção do mural se dá a partir de uma vivência local e por isso é importante estar próximo das veias da cidade. Preciso me aproximar da realidade para construir essa história. Passamos por zonas populares aqui de Caracas para compreender que esses espaços são lugares invisibilizados e essa população é excluída do que acontece nas zonas formais urbanas”, afirmou ao Brasil de Fato.
A obra feita na capital teve como inspiração duas o trabalho urbano nas feiras. Frutas e legumes em cestas formam um mosaico de cores que foi trazido por Cazé em um muro na capital. Outro elemento caraquenho explorado pelo artista brasileiro foram as araras. Um participante ativo na capital venezuelana, a ave foi trazida como uma expressão típica na relação com a cidade.

Para o processo de montagem da arte Cazé mescla toda essa experiência com a tecnologia. Ele tira fotos, depois seleciona aquilo que mais chamou atenção e representou a sua experiência no espaço e junta tudo em um aplicativo para montar o mural.
Autor do projeto Negro Muro – mapeamento da memória negra através da arte urbana na cidade do Rio de Janeiro -, o artista também retratou a cultura e a discussão racial na Venezuela em sua obra.
“Aqui eu busquei a presença do indígena venezuelano. Pelo processo de colonização, o indígena está marginalizado e minha ideia é trazer esses corpos como verdadeiros donos dessa terra, enaltecendo, trazendo a força do indígena, conexão ancestral, suas tecnologias. Como é o cotidiano dele”, afirmou.
Com o mural pronto, a viagem seguiu para a ilha Margarita. A cidade de Asunción sediou mais uma etapa do Ciudad Mural, um festival itinerante realizado todos os anos em diferentes estados da Venezuela. O evento é organizado por ONGs e movimentos populares com apoio da Vice-Presidência de Assuntos Religiosos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), do Governo do Estado de Táchira e, nesta edição, pela prefeitura do município de Jáureg
Ao chegar na ilha Margarita, Cazé repetiu seu processo. Passou por diferentes espaços da ilha e participou de uma das principais atividades econômicas da região: a pesca. Acompanhado de um grupo de pescadores, o artista foi ao mar e registrou o trabalho diário de uma população que sustenta não só as suas famílias, mas que dá dinamismo para o território pela venda de alimentos.
“A ilha é outra experiência, porque explorei mais a questão dos afro-latinos, algo que é mais visível do que em uma cidade cosmopolita como Caracas. Eu trabalho com o movimento, com cronologia e dou importância para a manualidade. E foquei nesse processo. Por isso, o mural representa as diferentes etapas da pesca e das pessoas que estão envolvidas em tudo isso. A criança também é representada por ter um futuro, uma perspectiva de trabalho, de vida”, afirmou.

Apoio para o voo
Para a viagem à Venezuela, Cazé se inscreveu no edital do Ciudad Mural e foi selecionado. A partir daí, ele usou um recurso que o acompanha em diferentes viagens, a busca por apoios. O artista já esteve em 9 países para trabalhar e recorreu à embaixada brasileira para conseguir assistência para as passagens e hospedagens em Caracas.
Os diplomatas na Venezuela fizeram a ponte com a companhia aérea Gol, que retomou as viagens ao país vizinho em agosto. Cazé veio à Caracas no primeiro voo dessa reabertura da conexão aérea, realizado em 5 de agosto.