A primeira Conferência de Economia Popular e Solidária – a quarta do país, depois de 11 anos em que a Secretaria Nacional de Economia Solidária passou por um desmonte político – foi inesquecível para Jocelaine Santos da Silva, integrante do Banco Comunitário Cascata, de Porto Alegre (RS). Aos 49 anos, esta foi a primeira grande conferência de que ela participou como representante da sua comunidade.
“Eu sou nova na economia solidária. Perto destas pessoas que estão aqui, eu sou um bebê, e tô aprendendo com elas. Cada uma me conta uma história, uma parte, um sonho, um desejo”, descreveu Jocelaine para o Brasil de Fato RS. Ela se emocionou ao participar da cerimônia de abertura no Palácio do Planalto, quando teve a oportunidade de ouvir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recomendar às mais de mil pessoas presentes: “Lutem, não desistam!”

Durante os três dias em que se desenvolveu a 4ª Conferência Nacional de Economia Popular e Solidária, de 14 a 16 de agosto, na sede do Centro Técnico Educacional em Luziânia (GO), Jocelaine participou das votações do Eixo 2, sobre Finanças Solidárias e Crédito Solidário. Ao longo de seus mais de 40 anos de vida, ela exerceu, na prática, o conselho do presidente.
“Hoje a gente teve a plenária de votação das nossas 20 emendas, e amanhã a gente vai para a plenária geral”, informou ela, por Whatsapp. A cada palavra discutida, votada, as mulheres do Eixo, principalmente, diziam: “Vocês não esqueçam o que o nosso presidente falou, que é pra gente gritar, sair nas ruas e exigir nossos direitos”, lembrou Jocelaine.
Em seu relato, Jocelaine percebeu que a mistura de sotaques, etnias, cores, culturas, religiões foi um encontro da riqueza e do potencial da Economia Popular e Solidária. “Deu pra ver que todos(as) estão com o mesmo ideal que é mudar para que a Economia Solidária se faça presente dentro das periferias, nas vilas, nos territórios. Que seja reconhecida como uma outra economia”, afirmou.
A cada intervalo, no almoço, ela se sentava ora com um, ora com outra pessoa, e foi tecendo assim uma rede de conhecimentos e saberes sobre outros lugares e seus desafios. Foi então que conversou com um senhor de Mato Grosso do Sul onde tem várias aldeias indígenas.
“Lá, a economia solidária é difícil de trabalhar, porque os adolescentes têm vergonha de falar sua língua de origem”, contou. E isso que tem sete a oito povos, cada um com a sua linguagem, com a sua etnia, com seu próprio jeito de ver. Ele também lhe disse que tem muitos senhores da época bem antiga que oprimem os indígenas naquela região. E que, quando tem votação, são os filhos destes senhores que ganham as eleições.
Jocelaine ouviu outra história, a de uma senhora que trabalha com famílias quilombolas em Pernambuco, que tenta resgatar a história do povo negro, especialmente da mulher negra. A mãe dessa quilombola era lavadeira e era lá que, por meio das cantigas, as histórias se espalhavam… outro lugar difícil de desenvolver a economia solidária, concluiu.

Ao final, depois de passar dias entre votações, palestras, discursos, histórias e sentimentos alheios, Jocelaine estava convencida: quer fazer ainda mais fortemente parte desta mudança. “Isso tudo que tá acontecendo aqui é uma mudança. Porque muitos que estão aqui – muitas mães, muitas vós, muitos pais, muitos filhos – deixaram a sua família em casa para estar aqui nestes quatro dias vivendo isso. Pode-se dizer que aqui é uma bateria em que a gente tá se recarregando depois de 11 anos, depois desse golpe em 2016, para dar continuidade”, afirmou.
E a continuidade, para Jocelaine, tem nome e endereço: Banco Comunitário da Cascata, que fica na periferia de Porto Alegre, no Morro das Antenas, como o pessoal do lugar costuma falar. Nos nove anos de existência do banco, que começou com trocas de roupas e alimentos, a moeda social “Antena” começa a se espraiar e a se tornar mais conhecida e forte. “A gente sempre trabalhou com oficinas, cursos, e também com a economia solidária. De uns meses pra cá conseguimos implementar a nossa moeda social física”, anunciou.
A “Antena” está circulando dentro da comunidade e conquistando mais empreendimentos. Tem os dois maiores que é o mercado e a madeireira, e agora também distribuição de gás e prestadores de serviço de Uber. A moeda “Antena” também circula como pagamento para o professor de capoeira. “A gente tá começando um grupo de geração de renda da costura e da alimentação. A partir de setembro vamos começar o microcrédito na comunidade para ajudar os pequenos empreendimentos”, informou Jocelaine.