A Universidade de Brasília (UnB) sediou nesta quarta-feira (20) o lançamento do Comitê Pró-Instituto Nacional do Cerrado, iniciativa que reúne universidades federais, estaduais, comunitárias e institutos federais de diversas regiões do país. O objetivo é articular esforços para a criação de um centro federal de excelência voltado exclusivamente ao bioma Cerrado, que é o segundo maior do Brasil e um dos mais ameaçados do mundo.
A proposta surge em um contexto de crescente pressão sobre o bioma devido ao avanço do agronegócio, desmatamento, queimadas e escassez hídrica, e vai ter como função integrar ciência, inovação e saberes tradicionais para promover o uso sustentável e a conservação da biodiversidade.
“Este ato é político e histórico. Não estamos apenas falando de ciência, estamos falando de soberania, de justiça socioambiental, de dar visibilidade a um bioma que alimenta o país e é tratado como invisível nas políticas públicas. O Cerrado é resistência, é território de povos e de memória e essa luta é de todos nós”, afirmou a reitora da UnB, Rozana Naves.
Em uma carta de compromisso, 24 reitoras e reitores de instituições de ensino superior afirmam: “Apesar de sua relevância, o bioma Cerrado está entre as 36 áreas de alta biodiversidade global ameaçadas, sofrendo com o desmatamento acelerado e a fragmentação de ecossistemas”.

O texto ressalta que o Cerrado é o “berço das águas” do Brasil, abastecendo as principais bacias hidrográficas da América do Sul, e alerta para os impactos severos na agricultura, na disponibilidade hídrica e na estabilidade climática caso as atuais tendências não sejam revertidas. No documento, os reitores também apontam que o lançamento do Comitê Pró-Instituto Nacional do Cerrado, no ano em que o Brasil sediará a COP 30, reafirma o compromisso “inabalável com a construção de um futuro em que a conservação ambiental e a mitigação das mudanças climáticas caminhem lado a lado com o desenvolvimento sustentável, a segurança alimentar e o bem-estar coletivo”.
“É um chamado à união de forças, saberes e vontades para que o Cerrado floresça como legado vivo às próximas gerações.”, finaliza o documento, que é assinado por representantes da Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal do Sul da Bahia, Universidade de Brasília, Instituto Federal Goiano, entre outras.
Com participação de representantes de universidades federais, estaduais, comunitárias e institutos federais, o lançamento do Comitê Pró-Instituto Nacional do Cerrado aconteceu no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT/UnB) e marca um passo estratégico para a valorização científica e socioambiental do bioma, que vem recebendo críticas ao sofrer com negligência de políticas públicas de preservação.
A reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Angelita Pereira de Lima, foi enfática ao lembrar que o movimento é fruto de articulação persistente, “Desde 2023 estamos construindo essa mobilização com universidades, institutos e movimentos sociais. Não estamos pedindo favores, estamos exigindo reparação histórica a um bioma que sustenta a produção do país e que está sendo destruído. O Cerrado grita e nós estamos aqui para amplificar essa voz.”
O Comitê surge como parte de um movimento nacional para viabilizar a criação do Instituto Nacional do Cerrado, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O objetivo é estabelecer um centro de excelência para pesquisa, inovação e monitoramento ambiental, promovendo a articulação entre academia, setor produtivo e sociedade civil na busca por soluções sustentáveis adaptadas à realidade do bioma.
A iniciativa também pretende impulsionar a bioeconomia e fomentar uma economia circular baseada em conhecimento tradicional e científico, além de reduzir desigualdades regionais por meio de desenvolvimento tecnológico e geração de renda em comunidades locais.

Pressões sobre o Cerrado
Apesar de sua relevância ecológica e socioeconômica, o Cerrado é atualmente o bioma brasileiro que mais sofre com o avanço do desmatamento e da expansão agropecuária. Ocupando cerca de 22% do território nacional, a savana abriga nascentes das principais bacias hidrográficas da América do Sul, como as dos rios São Francisco, Prata, Araguaia-Tocantins e Amazônica. No entanto, o avanço do agronegócio tem promovido a fragmentação de seus ecossistemas, comprometendo o equilíbrio hidrológico e a biodiversidade local.
Angelita ainda destacou a urgência do momento político. “Estamos em um ponto de virada. Ou enfrentamos com coragem esse modelo predatório que transforma vida em lucro, ou perderemos o Cerrado. O agronegócio não pode continuar pautando o futuro sozinho. Precisamos de políticas que coloquem a vida e os territórios no centro.”
De acordo com dados recentes do MapBiomas, o Cerrado perdeu cerca de 1 milhão de hectares de vegetação nativa em 2023, ultrapassando a taxa de desmatamento da Amazônia no mesmo período. Grande parte dessa degradação está ligada ao cultivo de soja, milho e à expansão da pecuária, frequentemente associados a queimadas ilegais e uso intensivo de recursos hídricos.
Considerado um hotspot global de biodiversidade, o Cerrado abriga milhares de espécies endêmicas de fauna e flora, além de ser o território de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos e tradicionais, como os geraizeiros e vazanteiros. A destruição do bioma afeta não apenas o equilíbrio ecológico, mas também compromete a segurança alimentar, a disponibilidade hídrica e a estabilidade climática da região central do Brasil.
Mobilização institucional
Em janeiro deste ano, as instituições de ensino já haviam entregue um documento ao Governo Federal um documento solicitando a criação do Instituto Nacional do Cerrado. O texto também defendia a necessidade urgente de políticas científicas voltadas ao bioma, como forma de reduzir assimetrias regionais e fortalecer a soberania ambiental e climática do país.
A carta lançada nesta quarta-feira (20) é assinada pelas seguintes instituições:
- Universidade Federal de Goiás
- Universidade Federal do Norte do Tocantins
- Universidade de Rio Verde
- Universidade Federal de Rondonópolis
- Universidade Estadual de Goiás
- Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
- Universidade Evangélica de Goiás
- Universidade Federal de Uberlândia
- Universidade Católica de Brasília
- Universidade Federal de Jataí
- Universidade Federal de Viçosa
- Instituto Federal Goiano
- Universidade Federal do Oeste da Bahia
- Universidade Federal do Sul da Bahia
- Universidade Federal de Grande Dourados
- Universidade Católica Dom Bosco
- Universidade Federal do Tocantins
- Universidade Federal de Mato Grosso
- Pontifícia Universidade Católica de Goiás
- Instituto Federal de Goiás
- Universidade Federal de Catalão
- Universidade de Brasília
- Universidade Federal de Minas Gerais
- Instituto Federal de Brasília