O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar a legalidade da concessão da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, à iniciativa privada. O procedimento foi instaurado no dia 14 de agosto, a partir de representação do Movimento Gasômetro do Povo, que reúne parlamentares, entidades culturais, sindicatos e conta com o apoio de quatro ex-prefeitos da capital gaúcha.
A representação questiona a Concorrência Pública nº 020/2025, lançada pela Prefeitura de Porto Alegre, que prevê a gestão compartilhada do espaço por 30 anos. Os signatários argumentam que o imóvel é de domínio da União, cedido ao município desde 1981 para fins de interesse público, e pedem a suspensão do processo até que seja verificada a compatibilidade do edital com o convênio federal.

Em julho, a prefeitura publicou edital de parceria público-privada (PPP) para selecionar a empresa ou consórcio responsável pela administração da Usina. O contrato prevê repasses que podem chegar a R$ 95 milhões, incluindo um aporte inicial de R$ 7,5 milhões e valores anuais de até R$ 4,5 milhões a partir do terceiro ano. O resultado do certame deve ser divulgado em 27 de agosto.
Embora a Usina esteja sob gestão do município desde 1982, o imóvel foi originalmente cedido pela Eletrobras. Com a privatização da estatal, em 2022, a titularidade passou à Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar).

Ao anunciar o edital, o prefeito Sebastião Melo (MDB) defendeu a gestão compartilhada como “fundamental” para devolver o protagonismo do “cartão-postal tão querido” da cidade. “As parcerias são um braço essencial do governo, e entendemos que os serviços podem ser geridos tanto pelo público quanto pelo privado, desde que prestados com qualidade. Esse é mais um passo importante para resgatarmos o patrimônio histórico de Porto Alegre, fortalecermos o turismo e valorizarmos a cultura”, afirmou.
Como parte da apuração, o procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas enviou ofícios ao prefeito Sebastião Melo, ao superintendente do Patrimônio da União no RS, Émerson Rodrigues, e ao diretor-presidente da ENBPar, Marlos Costa de Andrade. O MPF cobra informações sobre a titularidade do imóvel, a existência de termo de concessão ao município e se o edital está em conformidade com as regras de uso definidas pela União. Os órgãos notificados têm cinco dias úteis para responder.
Patrimônio cultural e símbolo popular
Símbolo de Porto Alegre e tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual após mobilização popular na década de 1980, a Usina do Gasômetro foi transformada em centro cultural em 1991. Desde então, sediou atividades como a Usina das Artes, o Fórum Social Mundial, fóruns de capoeira e Hip Hop e o projeto Educação do Olhar, voltado a crianças em situação de vulnerabilidade. Também recebeu festas de Natal e Réveillon de Porto Alegre, e inúmeros espetáculos e shows de artistas locais.
Fechada há nove anos e com a entrega da reforma atrasada há meia década, a Usina se tornou referência de cultura democrática a partir dos anos 90, com programação acessível e valorização da arte local. A tentativa de privatização do espaço reacende a disputa sobre os rumos da política cultural em Porto Alegre.