Uma jovem foi assassinada em um baile funk na comunidade Vila Aliança, em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro. Não é um episódio isolado, apenas mais um capítulo de uma tragédia que se repete diariamente no Brasil.
O feminicídio se tornou rotina no país e os números só crescem. Por trás de cada estatística há uma vida interrompida, uma história que não chegará ao fim natural.
Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) apontam que nos últimos cinco anos foram assassinadas mais de 7 mil mulheres pelo simples fato de serem mulheres. A maioria é jovem, muitas ainda adolescentes. A frieza das estatísticas não revela o abismo de dor que esses crimes provocam.

Cada uma dessas mortes deveria ser tratada como um grito de alerta, mas, em vez disso, se acumulam em relatórios que pouco sensibilizam autoridades e a sociedade. O silêncio que se segue a essas mortes é ensurdecedor.
O caso dessa jovem, assassinada por um traficante, expõe, além do machismo estrutural, uma ferida ainda mais profunda, que é a incapacidade do Estado em garantir segurança. A ausência de políticas públicas concretas é tão grave quanto à própria violência.
Fala-se em leis, em campanhas, em discursos oficiais, mas na prática as promessas se revelam vazias. A proteção nunca chega a tempo. A cada dia que passa o Brasil confirma sua falência em proteger a vida de metade da sua população.
A violência contra a mulher não surge do nada. Ela é alimentada por um machismo que naturaliza agressões, por uma sociedade que ainda vê a mulher como propriedade e por um sistema de justiça lento e desigual.
Mas ela também se sustenta em omissões silenciosas. As próprias mulheres deixam de denunciar, deixam de se unir, seja pelo medo, seja pela descrença em qualquer mudança. Esse silêncio, compreensível diante do medo, termina por reforçar o ciclo de violência.

A discriminação contra a mulher não se manifesta apenas em palavras ofensivas ou em gestos de violência explícita. Reflete também na ausência de ações concretas, na falta de políticas que garantam segurança, respeito e oportunidades reais. Nós, mulheres, não podemos mais viver sob a sombra do medo, esperando que promessas vazias nos protejam.
Romper esse ciclo de violência e silêncio exige mais do que leis no papel. Exige atitude coletiva. Cobrar do Estado, apoiar iniciativas de igualdade, incentivar a denúncia, dar voz a quem foi calada.
O Estado, a sociedade, as autoridades, precisam aprender a ouvir as mulheres não apenas quando gritam por socorro, mas antes que o grito se torne impossível.
Calar diante de cada feminicídio é aceitar que a morte de mulheres faz parte da normalidade. Não podemos ser cúmplices desse silêncio.
O país precisa escolher se continuará enterrando as vítimas do feminicídio ou se, finalmente, dará a elas o direito de viver em segurança, com dignidade e respeito.
*Ana Saugo é publicitária, feminista, presidente do Conselho da Comunidade de Cruz Alta (RS), vice-presidente da ONG Viversem Cárcere, de Canoas (RS) e integrante do Fórum Criminal Institucional do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato.