A Venezuela volta a ser pauta dos noticiários por conta das ameaças dos Estados Unidos, que tomaram outra proporção nos últimos dias. A chegada de três navios de guerra estadunidenses à costa do mar do Caribe eleva o tom.
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou a ação militar com o objetivo de prender grupos de traficantes latino-americanos, relacionando-os ao governo Maduro, que foi considerado uma organização criminosa.
Se será uma demonstração de força ou cortina de fumaça, ainda não sabemos, mas há um contexto preocupante que seguiremos cobrindo e informando. No início do mês, Donald Trump já havia anunciado o aumento para US$ 50 milhões a recompensa por qualquer pista que leve à prisão do presidente Nicolás Maduro. A medida, considerada “patética” pelo governo venezuelano, existe desde a primeira gestão do presidente.
Ambas as medidas são justificadas de formas já conhecidas, com ataques bélicos e midiáticos. O método adotado pelo imperialismo estadunidense, com supostas denúncias de narcotráfico e terrorismo a governos que se colocam do outro lado do tabuleiro geopolítico, é antigo e eficiente. Já produziu guerras, construiu narrativas que justificaram horrores contra a humanidade, derrubadas violentas e criminosas de presidentes legítimos e um lastro de desestabilização que perdura anos.
E são diversos os países que enfrentam o poder destas narrativas, construídas pelas mídias e agências ocidentais, que se espraiam pelo domínio quase hegemônico dos aparatos desregulamentados das corporações, as big techs. Cuba, Irã, Venezuela, Palestina, China e outros enfrentam os mesmos desafios, antes enfrentados por Afeganistão, Iraque, Vietnã e uma lista imensa. E não somente eles, mas também seus aliados, buscam alternativas para enfrentar essa batalha cognitiva.
A comunicação como tarefa internacional
Para somar esforços, o governo venezuelano realizou, de 29 a 31 de julho, em Caracas, o Fórum internacional da associação de jornalistas do Sul Global Vozes do Novo Mundo, fortalecendo a cooperação entre veículos de comunicação de países do Sul Global. Foram mais de cem jornalistas, comunicadores e profissionais de 50 países, que debateram a formação e desenvolvimento dos Brics, a liderança revolucionária do Sahel, a resistência palestina, o enfrentamento iraniano e outros componentes relacionados à soberania dos países e ao enfraquecimento da hegemonia estadunidense — passando especialmente pelo combate ao monopólio das big techs.
Relatos de jornalistas estrangeiros aproximaram os participantes das dificuldades e desafios enfrentados em diferentes contextos, mostrando semelhanças nas experiências de comunicação popular e contra-hegemônica. E agora, com o tensionamento crescendo por parte dos EUA, o debate se torna ainda mais urgente.
A própria experiência venezuelana na comunicação, com as ações do governo de Hugo Chávez, segue sendo inspiração. O programa dominical Alô, Presidente, criado em 1999, era o principal canal de comunicação de Chávez com a população. Havia ligações ao vivo de eleitores, demissões de ministros, anúncios de políticas públicas e muitas histórias e informações políticas gerais.
Na tentativa de golpe de 2002, em que Chávez foi preso, diversos veículos anunciaram sua renúncia sem declarações oficiais. Especialmente a Rádio Caracas TV (RCTV), o maior consórcio de rádio e televisão da época, ignorava o ocorrido e seus desdobramentos, sendo considerando pelo sociólogo Ignacio Ramonet como “o primeiro golpe midiático da história”. As rádios comunitárias desempenharam papel crucial ao divulgar o que realmente ocorria, o que culminou na mobilização de milhares de venezuelanos que exigiram o retorno do presidente.
Após esse episódio, houve grande esforço para a construção de uma rede estatal de comunicação robusta que, em 2005, já contava com quatro canais de televisão, oito jornais e revistas e duas agências eletrônicas. E, em 2007, a concessão da RCTV não foi renovada.
O papel do Brasil de Fato e a dimensão estratégica
Diante do contexto geopolítico atual, o Brasil de Fato reafirma sua missão. Sabemos que a comunicação não é a resposta para nossos desafios políticos, mas é importante colocá-la na centralidade desse debate. E investir e fortalecer as experiências contra-hegemônicas.
Desde 2016, temos um correspondente em Caracas. Acompanhamos as eleições venezuelanas, reportamos os desafios econômicos, denunciamos ataques e tentativas de intervenção, cobrimos as guarimbas de 2017 (protestos violentos promovidos pela direita com histórico golpista), a autoproclamação de Juan Guaidó e seu reconhecimento por parte de vários países com protagonismo dos EUA. Também registramos experiências comunais — pilar fundamental do processo venezuelano — no documentário Comuna o Nada. E seguiremos cobrindo e defendendo os direitos soberanos do país.
A decisão de manter jornalistas em regiões vistas como “ameaças” aos EUA e ao bloco hegemônico liderado por Washington é estratégica, guiada pelo internacionalismo e pelo compromisso de olhar de perto processos que ousam desafiar a lógica imperialista. E isso não se dá sem olhar crítico ou sem apontar contradições: esse é o compromisso do nosso jornalismo.
Construir contranarrativas é vital para defender a soberania dos países do Sul Global. A bússola, que sempre apontou para o Norte, começa a abrir outros caminhos, possíveis, necessários e urgentes. Essa tarefa passa pela construção de uma comunicação política engajada e pelo fortalecimento desse debate entre governos, comunidades, veículos de comunicação e sociedades.