O Supremo Tribunal Federal (STF) demorou para reconhecer a importância e o impacto que as redes sociais podem causar. Nas eleições de 2018, delegou a tarefa aos juízes auxiliares que decidiram que a “atuação dos juízes eleitorais deve ser realizada com a menor interferência e que a liberdade de expressão é um direito inafastável”, condenando apenas a ofensa à honra, o anonimato e fatos inverídicos. Nem pensaram em manipulação da informação, de imagem e de som, ou na trolagem com o uso de robôs.
Na eleição de 2022, houve um pequeno avanço. O STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) celebraram um acordo para combater as fakes news e divulgar informações sobre o pleito. Na mesma ocasião, firmaram uma parceria com 35 instituições, entre entidades de classe, universidades e empresas de tecnologia para a disseminação correta de informações e o enfrentamento das notícias falsas.

Este ano, às vésperas da eleição de 2026, o STF acrescentou à sua lista de iniciativas a capacitação de 26 produtores de conteúdo ou influenciadores, como ficaram conhecidos, com o objetivo de falar sobre o papel das instituições, a comunicação nas redes sociais e o enfrentamento à desinformação intencional, as fakes news. O encontro recebeu o nome de “Leis e likes: o papel do Judiciário e a influência digital”, realizado nos dias 13 e 14 de agosto no STF, em Brasília. A iniciativa buscou aproximar personalidades do universo digital e do mundo do direito.
O ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal (AP) 2668 – processo da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2022 – também conversou com os participantes do encontro sobre “influência responsável, liberdade de expressão e democracia”. Para o ministro, a influência digital e o papel das redes sociais são os temas mais relevantes atualmente no Brasil e no mundo. O ministro salientou que a democratização do acesso à internet foi um avanço, mas que o mau uso da rede é um problema.

O evento foi estratégico e colocou mais conteúdo no que foi feito em anos anteriores pelo STF. Durante o encontro, o ministro Alexandre de Moraes defendeu a criação de varas e promotorias especializadas em crimes da internet. Segundo Moraes, a medida protegeria crianças e adolescentes nas redes sociais, além de combater a desinformação intencional, ou maliciosa, e outros crimes praticados no ambiente digital. Para Moraes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem papel fundamental nessa questão, como coordenador do Poder Judiciário e auxiliar do Ministério Público. Se no século 20 a informação era poder, no século 21 a desinformação assumiu esse papel estratégico.
O “Leis e likes” também abordou o uso da Inteligência Artificial (IA). Coube ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, falar sobre o tema. Segundo ele, a IA representa a quarta revolução industrial e é motivo de preocupação mundial devido a vários riscos, como a perda do controle humano sobre a tecnologia, seu uso bélico, impactos no mercado de trabalho e a propagação de desinformação.

Após a conversa com os ministros, os influenciadores acompanharam o começo da sessão plenária do dia 14 e fizeram uma visita guiada pelo edifício-sede e o museu do Tribunal. A secretária-geral do STF, Aline Osório, mestre em direito por Harvard, acredita que “o evento permite que os influenciadores tragam à Corte suas experiências e expectativas e fiquem mais familiarizados com o processo do Judiciário”.
A necessidade de regular as redes sociais tem mobilizado defensores do tema e opositores, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. A União Europeia tem um escopo de regulação já em uso e que se baseia em muito nas regras criadas em Portugal, Lei dos Serviços Digitais (DSA) e a Lei dos Mercados Digitais (DMA). Os documentos definem as responsabilidades das plataformas e buscam garantir um ambiente online mais seguro e democrático.
No Brasil, o STF tem se manifestado sobre a necessidade de responsabilização das plataformas por conteúdos ilegais, enquanto o Congresso Nacional discute projetos de lei como o PL 2630, de 2020, conhecido como PL das Fake News, que busca combater a disseminação de notícias falsas e que está com a tramitação suspensa desde 2023. De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB/SE), o PL tem o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP) como relator e ele já deu seu parecer a favor da regulação do tema e da urgência da sua votação e aprovação. A discussão também envolve o Marco Civil da Internet e a atuação de entidades como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada em 2018, e ainda com baixa atuação e quadros limitados.
Anos anteriores
Em 2018, apenas 50 ações foram protocoladas no TSE sobre fake news durante o processo eleitoral. Em média, o tribunal levou dois dias para analisar cada uma delas. Naquela época, não havia retirada imediata de conteúdo falso das plataformas. Segundo o tribunal, apenas 12% das ações que recebeu durante a eleição eram sobre fake news. Número e índices que confrontam a realidade. Em 2018, uma média de seis informações falsas eram desmentidas diariamente pela mídia, que criou uma parceria para enfrentar as fakes news.
Naquele ano de 2018, 137 jornalistas foram ameaçados e/ou atacados por apoiadores da campanha de Jair Bolsonaro. Quatro jornalistas da Folha de S. Paulo foram ameaçados, entre eles a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem que revelou o esquema no WhatsApp que indicava a possibilidade de fraude eleitoral. A jornalista denunciou que a campanha de Bolsonaro utilizou disparos em massa de mensagens por intermédio de uma empresa de tecnologia para divulgar suas propostas e também atacar os adversários, além de enviar fake news, como o kit gay, que nunca existiu. Além disso, Patrícia teve seu aplicativo hackeado e usado para disparar mensagens favoráveis a Bolsonaro, além de ser atacada e ameaçada em vários eventos públicos.
Nas eleições de 2022, um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que a circulação de fake news aumentou no segundo turno das eleições, em comparação ao primeiro turno. O crescimento foi registrado no Telegram (23%), Whatsapp (36%) e Twitter (57%) – agora X. No Youtube (17%), Facebook (9%) e Instagram (5%) houve queda, especialmente por conta de um pico de mensagens falsas nessas redes no fim de semana da eleição. No geral, a média diária de mensagens falsas cresceu de 196,9 mil no primeiro turno para 311,5 mil no segundo.
*Jornalista
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato.