O aumento da inadimplência no agronegócio, que levou o Banco do Brasil a perder R$ 7,7 bilhões em valor de mercado no fim de julho, não pode ser explicado apenas por fatores conjunturais, como juros altos ou variação de preços de commodities. Para o jornalista Alceu Castilho, diretor e editor-chefe do site De Olho nos Ruralistas, a crise está ligada a características estruturais do setor.
“Tem muita coisa, são muitos fatores convergentes, simultâneos, alguns vêm de médio e longo prazo, alguns são estruturais ao sistema, às características do próprio agronegócio e algumas coisas conjunturais. Tem mudanças climáticas como um dos fatores para diminuir margens de lucro, tem os juros altos, mas também tem a estrutura mesmo do agronegócio”, afirma o jornalista ao programa BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato.
“A crise do Banco do Brasil tem que ser avaliada em função de tudo o que está por trás das dívidas, e o que está por trás das dívidas, no limite, é a lógica intrínseca ao agronegócio”, acrescenta. De acordo com ele, o setor tem “o endividamento sistemático [como] uma de suas características”. “É um setor predador em relação ao território, aos recursos naturais, portanto, diretamente causador da emergência climática, que é descrita como um dos fatores para se pedir uma recuperação judicial”, critica.
O jornalista aponta que muitos pedidos recentes de recuperação judicial feitos por grandes grupos se baseiam em má-fé. “Boa parte desses pedidos (…) tem sido movida por oportunistas. Um exemplo é o Grupo Safras, no Mato Grosso, que perdeu o direito de recuperação judicial exatamente porque a Justiça considerou que havia números estranhos”, indica.
Castilho relaciona ainda o endividamento às conexões políticas de setores do agro com as tentativas de golpe de Estado durante e após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. “Esses ‘agrogolpistas’ são da soja, do Mato Grosso, da região de Sorriso. (…) No limite, podemos raciocinar que parte do dinheiro que vai para créditos, para a compra de equipamentos, foi parar em picanha, em deslocamento de tratores e caminhões, em bloqueio de rodovias no dia 30 de outubro de 2022 e nos dias sucessivos”, indica.
“O agro é pop”?
Segundo o diretor, há uma manipulação cotidiana da imagem do setor, construída com apoio de grandes veículos de mídia. “Agora eles estão nos fazendo falar agronegócio sem a palavra negócio, já tem um problema midiático, que é fruto da campanha agressiva do setor via Rede Globo: ‘o agro é pop’, ‘o agro é tudo’, ‘o agro é tech’. Nos referimos ao agronegócio agora como se fosse ‘o agro’, isso já foi uma artimanha para limpar a imagem desse setor. (…) Existe uma manipulação diária do agronegócio que começa nas palavras”, explica.
Para ele, a narrativa de estabilidade atribuída ao setor é insustentável. “É uma imagem romântica. (…) Quando tiramos o negócio da palavra agronegócio, estamos tirando todas as contradições do capital e os jogos do mercado que não são nada românticos. (…) Se os preços caem, é claro que a margem de lucro vai diminuir, eles vão se endividar mais e vão se tornar mais inadimplentes”, expõe.
O jornalista também critica a concentração de recursos públicos. “São R$ 500 bilhões para cá, R$ 30 bilhões para lá e, em contraponto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário com verbas muito menores. (…) Não existe apenas um modelo, e é por isso que temos que parar de nos referirmos ao agronegócio como se fosse uma entidade única”, protesta.
Na visão de Castilho, o desafio é dar visibilidade às alternativas ao modelo hegemônico. “É uma batalha cultural, uma batalha midiática que é diária. (…) Uma das tarefas mais urgentes é tornar visíveis as lutas do campo e o protagonismo dos povos camponeses, que não vão parar no Jornal Nacional nem no Fantástico [programas da Rede Globo], mas que constroem formas justas de se relacionar com a terra e com os recursos naturais”, defende.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.