O mês de setembro, que anuncia a primavera, sempre chega trazendo as celebrações da Independência brasileira.
No Distrito Federal, a capital se enfeita de Ipês e o centro do poder se colore com o verde e amarelo, símbolos nacionais herdados das famílias imperiais portuguesas. Nada mais simbólico do colonialismo que marca nossa história. Aliás, é interessante pensar que comemorar “independência” é típico de países ou territórios que foram invadidos, saqueados, violentados e colonizados.
Então é preciso se questionar sobre os sentidos do 7 de setembro para o país, mas na perspectiva de quem o faz cotidianamente: o povo, as periferias.
Que independência existe e para quem? Qual o poder de autodeterminação de brasileiras e brasileiros trabalhadores? Como transformar liberdade e soberania em concretude vivenciada pelas pessoas para muito além de discursos?
O fato é que de 1822 até hoje a independência é um devir histórico, uma luta constante, algo a ser construído e conquistado a cada dia, ganhando sentidos e contornos na organização e nos movimentos populares por direitos. Um país é seu povo e não pode haver independência em meio às crescentes desigualdades, injustiças e retrocessos no campo dos direitos sociais e humanos.
O que vemos é a persistência da contradição das classes sociais, a queda de braço entre o poder econômico das elites e a resistência do povo que se desenha de muitas maneiras. Assim, o processo de construção da independência se dá entre conflitos e acomodações, avanços e retrocessos, e não poderá jamais abrir mão ou acontecer sem a organização e a mobilização popular.
Isso porque a medida da independência nacional é a liberdade de autodeterminação de seu povo. E um povo somente alcançará essa liberdade quando for efetivamente respeitado enquanto ser humano. Estamos falando do direito ao trabalho digno, livre de exploração e violência, de participação efetiva nas decisões políticas, de direitos básicos, como alimentação e saúde, do direito a existir.
Dentro do contexto da política nacional, o que pode entrar no rol das comemorações se ainda precisamos lutar contra projetos de devastação ambiental, contra a ameaça às terras indígenas, contra a pejotização da economia, contra o trabalho precarizado, contra o veneno na comida, contra o desmonte do SUS, do SUAS e da educação?
No DF, o governo Ibaneis entrega a saúde à iniciativa privada, precariza a educação, desmonta a assistência e sua má gestão privilegia interesses de mercado em detrimento da vida humana.
É preciso perceber que o colonialismo é o pano de fundo desse contexto.
A elite brasileira é antinacional e antipopular, se associa ao poder hegemônico de grandes potências visando garantir os interesses do capital, que coloca o lucro e o acúmulo acima de qualquer outro valor. Para tanto, as populações de países como o Brasil pagam o preço sofrendo as sanções de políticas que retiram direitos, desmobilizam as massas, aumentam a violência, praticam a necropolítica e destroem a natureza. E ainda assim, resistimos.
Nossa história mostra a capacidade do povo em se reinventar e para transformar sofrimento em luta. O que temos em termos de liberdade, soberania, direito e garantias é fruto das mobilizações populares. Nunca foram concessões. Esse é o grito de independência que nos interessa.
Esse é grito que queremos fortalecer e tornar uníssono no combate a todas as formas de opressão.
Um projeto de independência nacional deve acontecer com o fortalecimento das periferias, onde está o povo e a classe trabalhadora.
O avanço dos comitês populares nas diversas áreas político-sociais não pode ser desperdiçado sem que ocorra um verdadeiro trabalho de base com vistas à mobilização popular. Em meio à possibilidade de debate e discussão sobre cultura e economia solidária, pontos fortes das economias e comunidades populares, as iniciativas existentes precisam ir além do empreendedorismo individual.
Descolonizar a noção de economia é desalienar não só os processos de produção, mas a circulação de produtos, a organização do trabalho e os ideais que nos movem.
Se setembro anuncia a primavera, que ela chegue com o florescimento do pensamento combativo e da consciência do fazer histórico da classe trabalhadora. Que todas as periferias possam fazer brotar as rosas da revolução no seu solo cultivado com trabalho e afetividade.
A potência da cultura, do conhecimento e da economia popular que encontramos nas periferias é a força que falta para uma efetiva transformação da sociedade brasileira, com mais justiça e vida. Só que essa força potencial necessita da organização, da união e da consciência política para se colocar em movimento. São muitas as oportunidades de diálogo sem o qual não há despertar algum.
Que façamos das nossas lutas e ações cotidianas espaços permanentes de formação, de troca (não só de produtos e dinheiro, mas de perspectivas e olhares) e debate. Em cada feira, sarau ou festival nas ruas, é lá que devemos puxar o nosso Grito de Independência.
*Alex Martins Silva e Paula Juliana Foltran são membros do Coletivo Família Hip Hop.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.