O advogado e cientista político Jorge Folena avalia que os dois primeiros dias de julgamento do núcleo central da tentativa de golpe de 8 de janeiro expõem o papel direto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na trama. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele afirma que o esforço das defesas em desvincular seus clientes de Bolsonaro acabou reforçando a percepção de que o ex-presidente, em prisão domiciliar, é visto como o chefe da organização criminosa.
“Nessa última fase da defesa, a maior parte [dos réus], quase todos eles, procuraram se desgarrar de Bolsonaro, deixar Bolsonaro numa situação como o principal agente. Isso ficou em aberto porque, de certa forma, ninguém queria ficar vinculado ao chefe da organização criminosa. Fica muito claro no dia de hoje, em particular, com as defesas dos [ex-ministros] general [Augusto] Heleno e do general Paulo Sérgio [Nogueira]. Isso ficou bem destacado”, avalia.
Outro ponto observado por Folena entre terça-feira (2) e quarta (3) foi o fato que que, “de uma maneira em geral, tirando o doutor Demóstenes Torres, que é o advogado do almirante Almir Garnier [ex-comandante da Marinha], todos os demais, de certa forma, reconhecem o que aconteceu no 8 de janeiro de 2023, ou seja, que houve uma tentativa de golpe contra as instituições brasileiras, um ataque à Constituição.”
Folena destaca ainda que os depoimentos prévios dos comandantes militares reforçam a gravidade das acusações. “Com relação a Bolsonaro em particular, independentemente da delação do [ex-ajudante de ordens] Mauro Cid, de qualquer delação, o depoimento deles confirmaram, na fase do inquérito, que, de fato, havia uma conspiração golpista”, analisa. Na visão dele, a situação, “especialmente de Bolsonaro, [do ex-ministro] Braga Netto, Garnier e Paulo Sérgio, está muito complicada”.
Justiça de transição
Para o cientista político, o processo tem caráter histórico e pedagógico. “Esse julgamento tem um efeito educativo para o país. Porque [após] 40 anos da redemocratização, de certa forma, nós estamos fazendo agora o que não foi feito em 1985, quando terminou a última ditadura militar no Brasil. Esse julgamento faz parte de uma justiça de transição”, caracteriza.
Segundo ele, o acompanhamento do julgamento, que está sendo transmitido ao vivo, na íntegra, pela sociedade é essencial para que a juventude compreenda a importância da democracia. “É uma grande oportunidade para a juventude ter consciência de como é bom viver numa democracia, como é bom respeitar os direitos humanos, como é bom respeitar os direitos da classe trabalhadora”, acrescenta.
Anistia é continuidade do 8 de janeiro
Enquanto o STF julga os réus acusados de articular o golpe, a oposição atua no Congresso para aprovar um projeto de anistia. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou nesta quarta que pretende apresentar um texto alternativo para flexibilizar a lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, aprovada em 2021.
“Não é hora para se debater nenhuma flexibilização da lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Essa atitude, se de fato vier a se materializar, vai ser um desrespeito, a meu sentir, à Constituição Brasileira, ao Supremo Tribunal Federal e à sociedade brasileira como um todo”, critica Folena.
O advogado acredita que a articulação legislativa “é a prova de que a extrema direita ainda continua tramando ações golpistas no Brasil”. “Não podemos, como sociedade organizada, consentir que o parlamento brasileiro, seja a Câmara, seja o Senado, faça qualquer modificação da lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito durante o curso do processo, de um julgamento. Isso é casuísmo da pior espécie”, critica.
Para ouvir e assistir
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