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‘Crise climática é fruto da lógica capitalista’, aponta pesquisador

Tema é abordado no livro 'Crise Ambiental e os Negócios do Clima: uma Perspectiva Crítico-Popular', de Andrei Cornetta

A crise ambiental e as mudanças climáticas têm ganhado cada vez mais centralidade no debate público, com o aumento da frequência da ocorrência de eventos extremos no Brasil e no mundo, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado e as secas severas que impactam diversas regiões. 

Na ponta, as consequências são sentidas principalmente por comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e famílias que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. Para ajudar a caracterizar o atual cenário e apontar saídas, o doutor em geografia humana Andrei Cornetta lançou recentemente o livro Crise Ambiental e os Negócios do Clima: Uma Perspectiva Crítico-Popular, pela editora Expressão Popular. 

Na obra, ele discute como a crise climática está profundamente relacionada ao atual modo de produção capitalista. 

“Podemos destacar que as relações capitalistas, basicamente, têm dois princípios: o individualismo e a concorrência, a competição. Se a gente pensar, por exemplo, no conceito de desenvolvimento sustentável, ele fala em gerações futuras, em superar pobreza e desigualdade, em oportunidades iguais para todos, mas são princípios incompatíveis com esse modo de produção capitalista”, analisa, em entrevista ao Conversa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato

Cornetta também identifica experiências em curso no Brasil que experimentam outra forma de relação entre o homem e o meio ambiente, superando os marcos da lógica exploratória capitalista.

“Eu costumo dizer que a sustentabilidade de um território está justamente nas relações sociais que não são pautadas pelo individualismo, nem pela concorrência, mas, sobretudo, pela cooperação e pela solidariedade.  A luta do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] por uma reforma agrária popular, em oposição ao modelo da agricultura capitalista predatória,  já é uma luta ambiental”, defende.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – Em seu livro, você apresenta a reflexão de Naomi Klein, a qual diz que as mudanças climáticas estão muito mais associadas ao desenvolvimento do capitalismo do que às emissões de gases do efeito estufa. O que isso significa?

Andrei Cornetta –Naomi Klein é uma jornalista e ativista canadense muito respeitada, que já publicou vários livros importantes. Um deles é A Doutrina do Choque, um livro muito conhecido.

Essa frase dela, que diz que as mudanças climáticas têm muito mais a ver com o capitalismo do que propriamente com as emissões de gases de efeito estufa, é uma provocação muito interessante que, de certa maneira, sintetiza a argumentação do livro, mas também é um mote para aprofundar e explicar teoricamente essa afirmação dela.

É a partir dessa afirmação que eu vou, por meio da teoria crítica, principalmente baseada em Marx e Engels, desenvolver argumentações teóricas para explicar como as mudanças climáticas estão associadas diretamente ao modo de produção capitalista. E isso não se reduz apenas à emissão de gases de efeito estufa. Claro, sem dúvida nenhuma, esse é um problema urgente. Mas eu diria que a questão é mais profunda. 

Para elaborar essa argumentação, um dos conceitos que eu trabalho é o de produção. Pensar o modo de produção de um ponto de vista histórico, porque a gente costuma ter uma tendência de associar esse conceito ao aspecto material: aquilo que é resultado direto do trabalho humano, ou seja, algo palpável.

Mas a produção também tem um dado abstrato, que diz respeito às leis, à ideologia, ao conhecimento científico e até mesmo à religião. Se a gente puder fazer uma síntese desse dado abstrato da produção, nós poderíamos dizer que se trata da maneira como as relações sociais são organizadas dentro do modo de produção capitalista.

E podemos destacar que as relações capitalistas, basicamente, têm dois princípios: o individualismo e a concorrência, a competição. Quando a gente fala, por exemplo, em algum aspecto sobre cooperação, a cooperação dentro dessa lógica só vai caber dentro dessa chave da concorrência, da competição.

Se a gente pensar, por exemplo, no conceito de desenvolvimento sustentável, ele fala em gerações futuras, em superar pobreza e desigualdade, em oportunidades iguais para todos, mas são princípios incompatíveis com esse modo de produção capitalista e que, novamente, não se reduz apenas ao aspecto material, mas, sim, à própria lógica de funcionamento de uma sociedade.

Tem uma citação do seu livro em que você explica que Estados nacionais e empresas privadas têm buscado promover uma “economia verde”, adaptando o capitalismo predatório aos novos critérios de sustentabilidade. Como você avalia o atual mercado do carbono, que é vendido como uma solução?

O mercado de carbono é uma das maneiras que vêm sendo colocadas como solução, ou parte da solução, principalmente no que se refere às emissões de gases de efeito estufa. Mas é importante a gente entender esse mecanismo de uma maneira bem simples.

Não se trata propriamente de um mecanismo que vai reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas é uma forma de compensar. Vamos supor: eu tenho uma empresa no Hemisfério Norte que tem uma meta estabelecida de emissões. Vamos colocar que essa empresa pode emitir 10 mil toneladas de carbono. Ela emitiu, naquele período, 15 mil toneladas. Esses 5 mil de excedente, não é que ela vai reduzir, mas sim compensar com uma atividade que promova essa compensação.

Há uma variedade muito grande dessas atividades, que podem ser feitas por meio do sequestro de carbono florestal. Toda planta, no processo de fotossíntese, absorve o CO2 da atmosfera, transforma o carbono em matéria lenhosa e libera oxigênio. É feita uma contabilidade de uma massa florestal e estabelecido que ali há “x” toneladas de carbono armazenadas. Essa comprovação é convertida em um papel que é negociado em mercados especializados: o famoso crédito de carbono.

Em vez de essa empresa que excedeu o seu limite reduzir de fato, ela vai ao mercado e compra um crédito de carbono que atesta essa compensação. Alguns autores chamam isso de “compra do direito de poluir”.

Outras atividades funcionam dentro dessa lógica, por exemplo, o agronegócio. Esse mercado vem servindo também como alavanca de inovação para vários setores do agronegócio. Claro que não podemos entender o agronegócio como um bloco monolítico: há várias vertentes e entendimentos. Uma parte mais esclarecida e minimamente preocupada com a questão ambiental tem se aproveitado dessa alavanca para fomentar inovações.

O setor canavieiro, por exemplo, hoje consegue reaproveitar algo que era, até pouco tempo atrás, um passivo ambiental problemático — o bagaço de cana ou mesmo o vinhoto — e transformar esse resíduo em energia elétrica. Assim, a usina deixa de utilizar uma fonte fóssil e passa a usar uma renovável, já que a matéria-prima vem de uma planta. Supostamente, haveria um equilíbrio entre produção e emissões.

Comprovada essa inovação, no sentido de compensar as emissões, também é possível emitir créditos de carbono. Então, há inúmeras atividades funcionando dentro dessa lógica. Mas o interessante é que esse mercado vem servindo como impulso para inovações tecnológicas, principalmente na transição energética.

O livro também mostra que há caminhos possíveis em curso no Brasil. Movimentos sociais, como o MST, podem ser inspirações para superarmos o atual contexto?

Não só o MST, mas também outras formas de organização social e, consequentemente, outras formas de territorialidade estão assentadas em relações sociais que não são pautadas pela lógica capitalista.

Eu costumo dizer que a sustentabilidade de um território está justamente nas relações sociais que não são pautadas pelo individualismo, nem pela concorrência, mas, sobretudo, pela cooperação e pela solidariedade. O último capítulo do livro foi escrito por três companheiros do MST — Bárbara Loureiro, Camilo Augusto e Renata Menezes — e eles traçam um histórico do movimento e como a questão ambiental está presente desde o princípio.

Ou seja, a luta do MST por uma reforma agrária popular, em oposição ao modelo da agricultura capitalista predatória,  já é uma luta ambiental, porque luta por uma nova forma de territorialidade que não é pautada pelo modo de produção capitalista.

Além disso, o MST, já há alguns anos, vem massificando a agroecologia e a agrofloresta em seus assentamentos. Não só como prática agrícola, mas também como posicionamento político. E existem inúmeros estudos comprovando os benefícios da agrofloresta e da agroecologia para o ambiente, seja na recuperação de fauna e flora, de nascentes de água, ou na fixação de carbono no solo. Recentemente saiu um estudo mostrando que, quanto mais diverso o cultivo, maior a capacidade de fixação de carbono — mais do que o dobro de uma monocultura.

Como precisamos encarar a transição energética? 

Todas essas medidas são importantes. A transição energética, a substituição dos combustíveis fósseis, é algo urgente. Mas vou dar um exemplo prático que já tem sido bastante divulgado.

Temos, por exemplo, a substituição da energia fóssil por energias renováveis. Existem inúmeras usinas eólicas implantadas, principalmente no Nordeste, que vêm gerando outros impactos socioambientais até então desconhecidos. Comunidades rurais vizinhas a esses parques eólicos sofrem com o que alguns pesquisadores chamam de “síndrome da turbina eólica”. Para a maioria, é impensável viver com a sombra de uma pá eólica passando a todo momento na frente de casa. Isso traz distúrbios mentais, principalmente de sono, e todas as consequências disso, inclusive doenças psíquicas.

Há também outros impactos dessas novas formas de geração de energia. Sabemos que carros elétricos demandam minerais, antes usados em menor escala, mas agora há uma grande demanda por lítio e terras raras. Isso está na pauta da geopolítica mundial, e inúmeras comunidades sofrem com essa exploração.

Temos o exemplo do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde comunidades indígenas Pataxó vêm protestando sistematicamente contra a exploração do lítio, pelos impactos ambientais. Hoje mesmo li uma matéria sobre a intenção de explorar terras raras no Quilombo Calunga, na divisa entre Goiás e Tocantins. A Agência Nacional de Mineração já autorizou estudos para viabilizar a exploração.

Vemos que não basta apenas reduzir emissões de gases de efeito estufa – embora isso seja urgente. Há uma lógica mais ampla de funcionamento da sociedade capitalista, que sempre envolve algum tipo de impacto e degradação ambiental. Isso faz parte da lógica do modo de produção, que não se restringe às emissões.

Conversa Bem Viver

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