O anúncio do Banco Mundial de que o Níger será a economia com maior crescimento na África em 2025 é visto com cautela por liderança histórica do campo progressista no país do Sahel.
Em relatório publicado em meados de agosto, o organismo financeiro ocidental afirmou que o país do Sahel deve alcançar neste ano uma taxa de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) de 14,4%, superando o recorde histórico anterior, de 2024, que foi de 8,9%.
A projeção tem como bases resultados até julho e impressionam, se comparados ao passado, quando o país ainda era tutelado em suas políticas internas por governos alinhados à França, antiga colonizadora desta região do continente africano.
Mamane Adamou, líder do Instituto de Avaliação Estratégica e Previsão (Isep), do Níger, analisa com ceticismo esta expectativa de crescimento. Para ele, este é um movimento natural após o fim das sanções impostas pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) ao país do Sahel.
“É claro que, se compararmos o PIB sob sanções e o PIB atual, é normal que a situação seja muito favorável, porque há novas perspectivas, há recursos esperados que são muito importantes, especialmente os recursos minerais e petrolíferos. Além disso, houve uma temporada relativamente boa de chuvas no ano passado e, este ano, esperamos ainda melhor. Portanto, por todas essas razões, o PIB do Níger deve crescer”, opina Adamou em entrevista ao Brasil de Fato.
Sanções no níger
O Níger é governado atualmente pelo general Abdourahamane “Omar” Tchiani, líder de uma ala progressista do Exército que acompanhou o pedido das ruas por uma ruptura com o domínio neocolonial francês, exercido ainda hoje no Sahel.
Quando o novo líder militar chegou ao poder, em 26 de julho de 2023, a França mobilizou 13 Estados-membros da Cedeao para uma invasão militar contra o Níger, com o objetivo de reintegrar o presidente deposto, Mohamed Bazoum.
O apoio de países vizinhos, Burkina Faso e Mali, fez o país resistir com sucesso à tentativa de desestabilização, com a criação da Aliança dos Estados do Sahel (AES). Não conseguiu evitar, porém, as sanções econômicas impostas pelo bloco econômico alinhado a Paris.
Um dos efeitos mais visíveis do cerco econômico foi o fechamento das fronteiras com a Nigéria e o Benim, que acarretou no aumento do preço dos produtos e dos gêneros alimentícios, além dos cortes de energia e da falta de medicamentos.

Apoio popular
Adamou acredita que a sinergia entre a população e as lideranças militares, que atingiu o auge durante a expulsão dos soldados franceses do país em dezembro de 2023, hoje apresenta fissuras. “Sinergia é uma palavra forte, há disparidades.”
Mas ele assegura que as dissidências e críticas vêm de uma classe média “intelectualizada” do país. O apoio das camadas populares ainda é grande, e isso é explicado pelas medidas voltadas a essa população.
Desde que o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP) chegou ao poder, liderado por Tchiani, a área irrigada tem se expandido, especialmente nas principais regiões agrícolas, como Dosso e Tillabéri.
A redução dos preços também é visível. Enquanto um saco de arroz de 25kg custava entre 16 e 20 mil CFA durante o período das sanções, hoje já está disponível “a 11, 12 mil”, segundo pontuou o agricultor Salia Zirkifil, ao People’s Dispatch.

Adamou também destaca a redução da dependência da Nigéria para o fornecimento de eletricidade, que diminuiu significativamente em Niamei, mas persiste fora da capital.
“Houve um esforço para permitir que as pessoas tivessem acesso a alimentos a preços moderados nas zonas rurais. Apesar das dificuldades, isso contribuiu muito para reduzir os preços e, além disso, há a regulamentação”, explica Adamou.
Ele cita as regulamentações para as taxas de matrícula das crianças em escolas particulares e a perspectiva de regulamentação dos preços dos aluguéis. “Algo que se soma à redução dos custos com saúde e aos esforços que foram feitos para que as mulheres possam se beneficiar de cuidados de saúde gratuitos, como as que são vítimas de violência obstétrica. Tudo isto mostra uma consideração a questões sociais importantes que dizem respeito às classes populares”, completa.
Ruptura com o Banco Mundial
O anúncio do Banco Mundial é visto por Adamou como uma estratégia de aproximação da entidade aos países do Sahel, “para mostrar que está disponível e que pode ajudar o país”. Atualmente, no Níger, o Banco Mundial financia operações no setor de água, desenvolvimento rural, saúde, alimentação e gestão de riscos climáticos.
Segundo o analista, ao mesmo tempo em que existe uma orientação radical do governo em direção à ruptura com o Ocidente, o país continua a manter relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O que, na opinião da liderança política nigerina, “contraria ou prejudica a otimização de todos os benefícios” que se pode tirar da situação.
O nigerino foi um dos criadores da Organização Revolucionária pela Nova Democracia (ORDN), um partido fundado em 1992, após a abertura do multipartidarismo no Níger, e relembra experiências negativas anteriores com o Banco Mundial.
Em 1983, os empréstimos contraídos pelo regime militar de Seyni Kountché resultaram em dívidas que só foram saldadas em 2007.
“Passamos vários anos, várias décadas, aplicando medidas sem ver o fim do túnel. É por isso que estamos um pouco cautelosos. O Banco Mundial não pode ser um parceiro, apesar de tudo o que anuncia, eles têm essa maneira de embelezar, de mostrar que certamente será melhor com eles”, coloca.

Exploração do urânio
Entre os recursos mais estratégicos para alavancar a economia do Níger estão os grandes depósitos de urânio, considerados os de maior qualidade na África. Este recurso foi durante muito tempo um monopólio da França.
Até 26 de julho de 2023, enquanto o urânio extraído alimentava os reatores nucleares franceses, iluminando um terço de todas as lâmpadas do país europeu, mais de 85% dos nigerianos não tinham conexão com a rede elétrica nacional.
Essa desigualdade era explicada pela falta de acesso do país a seus próprios recursos minerais. Enquanto a estatal francesa Orano detinha 63% de participação na Somair, que explorava esses depósitos, a empresa estatal nigeriana Sopamin era uma acionista minoritária.
Quando o CNSP suspendeu a exportação de urânio para a França, a Orano interrompeu a produção, que só foi retomada quando o governo nacionalizou a Somair, em junho deste ano, assumindo o controle da Orano. Agora, o desafio é contornar o “embargo financeiro da França” e conseguir viabilizar a exportação do metal estocado.
Adamou destaca que a recente parceria com a Rússia para exploração e uso nuclear civil do urânio oferece novas perspectivas de soberania.
“Isso significa que, por meio desse país, podemos encontrar um mercado para o nosso urânio e não sermos mais limitados por nada”, avalia. Ele aponta ainda o reflexo das boas condições climáticas de 2025 para a economia do país. “Como eu disse, as estações do ano, pelo menos, não foram confrontadas com fenômenos de seca ou ataques massivos, portanto, as estações de inverno deste ano são apenas inundações, mas não secas. Acreditamos que teremos uma boa estação de chuvas e isso vai fortalecer o PIB do Níger.”

Combate aos terroristas
Em meio ao cerco financeiro, os desafios de expandir a economia e ofertar empregos conflitam com a necessidade de investimentos nas forças de segurança, que consomem uma grande parte dos cofres do Estado.
Adamou destaca a mudança significativa no curso da guerrra contra o terrorismo na tríplice fronteira com o Benin e o Níger, que vem exigindo dos países da Aliança dos Estados do Sahel novas estratégias de defesa e coordenação.
A cooperação com a Rússia e a Turquia, com foco na cobertura por satélite e na vigilância aérea, tem sido um caminho trilhado para inibir a presença de jihadistas, cujos grupos já atuam com drones e outras tecnologias para executar ataques.
“Quando os três países uniram esforços, houve imediatamente um reforço de sua presença no terreno e a impossibilidade para os jihadistas passarem de um país para outro. Eles foram perseguidos em conjunto. Agora, os terroristas têm drones. Eles manipulam drones que explodem diante de nossas tropas. Eles são cada vez menos recrutados localmente, mas cada vez mais vindos de fora. São profissionais do Afeganistão, da Síria, do Iraque, e até mesmo alguns que vieram da Ucrânia. Portanto, o método mudou, e nossos Estados também precisam mudar de método”, analisa Adamou.
“O problema da insegurança é algo que foi criado para impedir nossos países de avançarem. Para construir soberania, é preciso ter uma certa serenidade”, avalia.