Em 18 de agosto, o Ministério da Saúde (MS) emitiu um parecer favorável à Resolução 2.427/2025 imposta em abril pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que eleva de 16 para 18 anos a idade mínima para terapia hormonal em pessoas trans, proíbe o bloqueio puberal e aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para cirurgias de afirmação de gênero.
O parecer emitido pelo MS é uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que solicitou informações sobre a Resolução ao órgão federal. A demanda do STF surge diante do pedido de medida cautelar apresentada pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), que questiona a resolução do CFM. O processo deu origem à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7806.
Em resposta ao ministro Cristiano Zanin, o MS argumenta que não foram identificados “eventuais prejuízos decorrentes da edição da Resolução” do conselho federal. A norma do CFM está suspensa desde julho pela Justiça Federal por violar o livre desenvolvimento da personalidade e vetar o acesso à saúde para pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes.
Nesta sexta-feira (5), manifestantes se reuniram em frente ao MS para questionar as medidas. Especialistas e comunidade trans afirmam que tanto a resolução quanto o posicionamento favorável ao CFM feito pelo pasta apresenta um risco à saúde da população trans.

Retrocesso
A nova resolução do CFM impede que adolescentes trans tenham acesso ao bloqueio puberal, tratamento que evita o desenvolvimento de características indesejadas relacionadas a gênero, como barba e mama, durante a puberdade. Especialistas argumentam que o adiamento da hormonização aumenta o sofrimento mental e os riscos de automedicação.
Luiz Fernando Marques, que atuou como médico do Adolescentro, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, argumentou que a medida é um “atraso civilizacional” e representa riscos ao bem-estar dos adolescentes. “[A norma] fere na espinha, porque não tem o menor sentido você começar um cuidado hormonal aos 18 anos quando esse menino, essa menina já desenvolveu os caracteres sexuais. Já foi excluído da escola, já sofreu todas as formas de transfobia, inclusive institucionais.”
Em 2019, o conselho havia estabelecido uma medida permitindo o bloqueio puberal para crianças antes da puberdade com acompanhamento multidisciplinar e terapia. Também previa a hormonização a partir dos 16 anos para adolescentes, com a participação obrigatória da família e uma equipe de profissionais de saúde.
“A resolução de 2019 do Conselho Federal de Medicina abriu um grande leque de oportunidades para estes adolescentes, porque além de ter uma equipe especializada, ainda estava dentro das regras nacionais e internacionais”, lembrou o médico.

Lucci Laporta, presidenta da Associação Transfeminista (Trafem), classificou o parecer do MS como “tenebroso” e “anticientífico”. “Tanto o CFM quanto o Ministério da Saúde não quiseram escutar os profissionais da saúde que atuam na base, não quiseram que tivesse participação social nesse debate.”
“É muito triste, o Ministério da Saúde, que faz parte de um governo que a gente elegeu para combater a extrema direita, para proteger os direitos humanos, ceder à pauta antitrans, às pressões fundamentalistas religiosas e à extrema direita”, lamentou.
Cidadã honorária de Brasília e a primeira mulher transsexual a ingressar nas Forças Armadas, Maria Luiza disse que a norma é, no mínimo, equivocada e afeta a saúde mental dos adolescentes trans. “ [A resolução] dificulta muito mais o nosso acesso à saúde, coloca prazos muito mais extensos. Afeta principalmente os adolescentes. Afeta a saúde mental, a sociabilidade, porque [agora] demanda um tempo muito maior para se iniciar aqueles processos necessários [de tratamento hormonal].”

Para o presidente do Grupo Estruturação LGBT+, Michel Platini, é “absurdo” que o governo se coloque contra os seus próprios eleitores sendo favorável à decisão e que o MS deveria estar preocupado em criar políticas que atendam à população trans.
“Ele [Ministério da Saúde] deveria estar se posicionando contra a resolução do CFM, é um absurdo que o governo que a gente elegeu se coloque contra os seus próprios eleitores, a sua própria comunidade, e é inadmissível que o governo que a gente foi para as ruas defender se coloque contra, negocia os nossos direitos”, defende.
Ao final do ato, um grupo formado por cinco pessoas foram recebidas por assessores do Ministério que se comprometeram a fazer uma nova reunião sobre o assunto entre os dias 15 e 17 de setembro.
“Não queremos que o Ministério da Saúde e a Advocacia Geral da União compactuem com essa norma do CFM que estabelece uma restrição ao acesso à saúde da população trans e reflete na saúde mental desses adolescentes”, destacou Madu Krasni, que reivindicou ainda que o Programa de Atenção à Saúde da População Trans anunciado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2024 “saia das gavetas” e seja “uma realidade na sociedade brasileira”.
O Brasil de Fato DF solicitou um posicionamento do Ministério da Saúde, mas não obteve resposta até esta publicação.