Depois da operação policial que resultou na prisão de sete pessoas na Favela do Moinho, no centro de São Paulo (SP), quem ficou por lá relata estar com medo.
“Agora vão entrar e levar todo mundo preso”, declara uma moradora, em coletiva de imprensa, na tarde desta segunda-feira (8). Ela pede para ter a identidade mantida em sigilo, pois teme represálias. “Vão levar um por um”, diz.
Os agentes chegaram no início da manhã, por volta das 6h desta segunda-feira, e levaram Alessandra Moja Cunha e a filha dela, Yasmin Moja Flores — líderes de uma associação de moradores da comunidade. Cinco homens também foram detidos na operação deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), com apoio da Polícia Civil e da Polícia Militar (PM-SP), cumprindo mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão na área.
Todos passaram por audiência de custódia sem que os advogados de defesa tivessem acesso aos autos. “Essa estratégia de impedir o acesso ao processo é justamente para sustentar essa narrativa de crime e de que essas pessoas realmente deveriam estar presas, porque se os advogados tivessem acesso aos autos, eles rapidamente poderiam desbaratinar essa acusação”, alerta o advogado Flavio Campos, que atua na defesa de Paulo Rogério Dias.
Alessandra relata ter sido torturada. “Ela disse que, por se negar a dar senha do celular dela, um policial deu choque elétrico nela”, conta Amanda Amparo, assessora parlamentar do deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), que tem prestado apoio à comunidade. Amparo conversou com Alessandra após a prisão e ouviu o relato das agressões que incluem um soco no peito. “Ele tirou o fio da televisão dela, descascou, colocou na tomada e deu choque elétrico. Asfixiou ela com uma toalha na boca e ela, inclusive, mostrou o quanto que a boca estava roxa”, diz.
Além da violência, os policiais teriam forjado um flagrante de tráfico de drogas ao plantar entorpecentes na casa de Alessandra, segundo relatos das pessoas que tiveram contato com ela após a detenção.
“Se eles forjaram nela, que é linha de frente, quem diz que eles não vão chegar mais tarde ali na minha casa e não vão forjar em mim? (sic)”, questiona Antonio*, morador da área há mais de 30 anos. Temeroso, ele cogita sair da comunidade e pernoitar em um albergue.
“A gente está preocupado. Não só eu, todos os moradores que eu conversei falaram assim: ‘Eu vou arrumar um jeito de ir embora, porque eles estão forçando a gente ir'”, diz.
Alessandra é irmã de Leonardo Monteiro Moja, o Léo do Moinho, preso em um apartamento em Praia Grande, no litoral paulista, em agosto de 2024. Ele é apontado pelo MP-SP como responsável pelo abastecimento de drogas da chamada Cracolândia, além de ser uma das lideranças da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo.
As investigações apontam Alessandra como responsável pela intermediação entre o irmão e o crime organizado. De acordo com a investigação, foi constatada a atuação de um grupo criminoso que exigiria propina das famílias contempladas pelo acordo com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), condicionando o cadastro e a assinatura à realização de pagamentos à família Moja.
Para alguns moradores, no entanto, as prisões respondem a uma articulação política para forçar a saída da área.
O Moinho é a última favela do centro de São Paulo, região que passa por um processo de especulação imobiliária. O objetivo é construir uma estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e um parque na região, que fica a cerca de um quilômetro do local para onde o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende transferir a sede administrativa do governo.
Conhecida na comunidade, Alessandra estava à frente dos movimentos de denúncia sobre as violências a que são submetidos os moradores no processo de desocupação do Moinho.
“Ela é linha de frente, ela e a filha dela. E aí, igual eu tô falando, eu tenho medo de mais tarde a polícia ir lá na minha casa e forjar em mim (sic) também. Eu tô dando depoimento aqui, mas eu tô tremendo”, diz Antonio.
Além de Alessandra, Yasmin e de Paulo Rogério Dias, os mandados de prisão tiveram como alvo Ronaldo Batista de Almeida, Reginaldo Terto da Silva, Jorge de Santana, Claudio dos Santos Celestino e Ademario Goes dos Santos.
Os homens foram levados para o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros e as mulheres estão na Penitenciária Feminina de Santana.
Segundo o MP-SP, a ação, batizada de Operação Sharpe, teve o objetivo de desarticular um grupo criminoso que estaria atuando para impedir que funcionários da CDHU trabalhassem na remoção de famílias da comunidade. O grupo estaria atuando a mando de Léo do Moinho.
Entre escombros e sobrevoos
Na rua sem asfalto, uma das principais vias da Favela do Moinho, um menino para de pedalar a bicicleta, aponta para o alto e chama a atenção de outra criança: “Tá passando helicóptero”. Os dois olham para o céu por alguns segundos.
Desde o início do processo de desocupação da área, em abril deste ano, o barulho das aeronaves tem sido frequente por ali. Ao fim da coletiva de imprensa, outros dois helicópteros realizavam sobrevoo.
O terreno onde surgiu a favela do Moinho é propriedade da União e foi cedido ao governo do estado de São Paulo para a implantação do Parque do Moinho e da Estação Bom Retiro, da Linha 8-Diamante da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Em um acordo firmado entre Governo Federal e estado de São Paulo, as famílias da área receberão R$ 250 mil de subsídio para deixarem a comunidade. Mais de 500 famílias já se mudaram, mas ainda há em torno de 250 vivendo no local. No processo de desocupação, o governo do estado destruiu construções, num movimento de esvaziamento forçado da favela.
Em maio, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) publicou uma nota em que ressalta haver “anuência” da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) — proprietária do terreno — para a “descaracterização (e não a uma demolição) das moradias das famílias que voluntariamente deixaram suas casas”.
Naquele mês, seis barracos foram demolidos. Em agosto, descumprindo acordo com o governo federal e com os moradores da comunidade, o governo de Tarcísio de Freitas tentou, com uma retroescavadeira e funcionários da CDHU, retomar a demolição de casas na comunidade.
“A gente tá com medo, a gente que é morador, a gente tá querendo sair”, diz Antonio, que vive ali há 30 anos. Ele ainda não encontrou uma nova moradia.
Questionado pela reportagem do Brasil de Fato, o MP-SP informou que “o caso está sob segredo de Justiça e, por essa razão, não é possível fornecer informações”.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que todo o caso está sob responsabilidade do MP-SP.
*O nome foi alterado para preservar a identidade do entrevistado.