O julgamento dos golpistas, em curso na 1ª Turma do STF, se estenderá até 12 de setembro e pode levar à condenação do ex-presidente e capitão reformado Jair Bolsonaro, além do núcleo dirigente da tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Pela primeira vez, militares da mais alta hierarquia sentam-se no banco dos réus e podem ser responsabilizados pelos seus crimes. Será um marco histórico: a tradição golpista, tantas vezes premiada com o silêncio e a impunidade, pode finalmente ser confrontada pela Justiça.
Mas não podemos nos iludir. As raízes do autoritarismo no Brasil são profundas, estruturais, e moldam a vida política nacional desde o início da colonização, perdurando mesmo após a independência, a proclamação da República e os períodos de democratização. Quem sempre se acostumou à imunidade e ao privilégio dificilmente se dobrará às decisões das instituições democráticas. É nesse contexto que deve ser interpretada a declaração de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, ao ser questionado se concederia indulto a Jair Bolsonaro: “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado.”
Não se trata de mera retórica eleitoral, nem de simples aceno ao bolsonarismo. A frase revela, sem disfarces, o compromisso de Tarcísio com o ethos autoritário da caserna. Ao colocar o indulto a Bolsonaro como “primeiro ato” de um eventual governo, Tarcísio inaugura a arena da disputa presidencial de 2026 em termos plebiscitários: de um lado, a Justiça e o Estado de Direito; de outro, a absolvição política e moral dos que atentaram contra a democracia.
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Ao classificar como “desarrazoado” o processo em curso, Tarcísio não emite uma mera opinião — assume uma posição política deliberada, escancarada em seu discurso virulento no ato de 7 de Setembro, na Avenida Paulista. Nesse gesto, afronta diretamente a institucionalidade democrática brasileira: declara que a investigação da Polícia Federal seria “desarrazoada”; que a denúncia do Ministério Público Federal seria “desarrazoada”; que o julgamento no Supremo, e até mesmo uma eventual condenação, seriam “desarrazoados”. Ao deslegitimar as instâncias de apuração e julgamento, Tarcísio não se limita a atacar o STF: coloca sob suspeita a própria arquitetura da República Democratica e abre caminho para a corrosão do Estado de Direito.
E não se limita ao discurso. Em Brasília, articula diretamente com o presidente da Câmara, Hugo Motta, a votação de um projeto de anistia ampla aos condenados pelos atos de 8 de janeiro. A medida — que ainda reabilitaria a elegibilidade de Jair Bolsonaro — deixa translúcido os objetivos de Tarcísio, que é ser o vértice de uma nova artimanha golpista. Trata-se, portanto, de um movimento de enfrentamento aberto ao ordenamento jurídico e ao Estado Democrático de Direito. Em nome de salvar Bolsonaro e seus generais, Tarcísio se dispõe a corroer as instituições por dentro, funcionando como agente de uma segunda tentativa de golpe.
Estamos diante da reta final de um julgamento histórico. A democracia brasileira, pela primeira vez, tem a chance de responsabilizar um ex-presidente e a cúpula militar que tentou subverter a soberania popular. Não se trata apenas de aplicar punição a Bolsonaro e seus generais: é a possibilidade concreta de romper a longa cadeia de imunidades que atravessa nossa história e, que sempre blindou os responsáveis por atentados contra o Estado de Direito.
Mas precisamos nos manter alerta. O suposto “moderado” Tarcísio revelou-se o contrário: vestiu a farda golpista mostrando-se herdeiro direto da tradição autoritária que assola, profundamente, o Brasil. Infelizmente, nada de novo — apenas a continuidade de um padrão em que as elites civis e militares se protegem mutuamente, sempre em detrimento da democracia e do povo.
* Guilherme Pimentel é advogado e defensor de direitos humanos.
**Jackson Anastácio é assessor parlamentar e estudante de Ciências Jurídicas e Sociais.
***Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.