No dia 9 de setembro, o povo indígena Xokó celebrou os 46 anos da sua Retomada, um dos marcos mais importantes da luta indígena no estado de Sergipe. A data foi comemorada com a Festa da Retomada, um momento de profunda resistência e afirmação cultural na Ilha de São Pedro, no município de Porto da Folha (SE), território tradicional e sagrado do povo Xokó.
Mais do que uma celebração, a Festa da Retomada é um ato de memória viva e de respeito à ancestralidade desde 1979, quando os Xokó protagonizaram uma das mobilizações mais significativas da história recente dos povos indígenas no Nordeste, reconquistando o direito à sua terra ancestral após décadas de apagamento e negação de sua identidade.
Desde então, a festa se consolidou como símbolo da força. “Estamos comemorando 46 anos de liberdade, de retomada do povo Xokó. Depois de muito sofrimento, de muitas lutas, e graças à nossa luta, podemos comemorar, celebrar o direito ao nosso território e à nossa liberdade”, disse o cacique Bá Xokó.

O evento reúne rituais sagrados como o toré, cantos, danças, rodas de conversa, partilhas de alimentos, celebrações comunitárias e a exibição de vídeo sobre o processo de retomada, conectando as gerações mais jovens às raízes de sua cultura e de sua espiritualidade. As lideranças Xokó, mestres e anciãos guiam os momentos de oração e de agradecimento, renovando a força espiritual de seu povo, enquanto jovens e crianças seguem o legado da resistência e do pertencimento.
A Festa da Retomada também é um importante ponto de encontro com outros povos, movimentos sociais, pesquisadores, apoiadores da causa indígena e visitantes que desejam aprender e respeitar a história do povo Xokó. A Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, esteve presente no evento e reforçou a importância da Retomada. “É energizante e encorajador chegar aqui e ser tão bem recebida e receber também a força do povo, do canto, do toré. Porque afinal de contas, quem sustenta a gente em qualquer lugar político em que nós estejamos é a nossa base. Então, para mim é sempre uma alegria estar no território”, celebrou a ministra.
Guerreiras e Guerreiros pintados de Itamariná
Reconhecido como o primeiro povo indígena do estado de Sergipe, os Xokó mantêm viva uma cultura de forte espiritualidade e conexão com o Rio São Francisco, elemento vital do território e de sua cosmologia. A luta por direitos territoriais, acesso à saúde, educação indígena e fortalecimento cultural segue ativa e presente no cotidiano da comunidade. “Já tivemos várias retomadas até chegarmos aqui, se hoje temos crianças, jovens, adultos, pintados de Itamariná e celebrando essa festa, é porque 22 famílias tiveram que lutar contra os grandes pela nossa terra”, destacou Danny Xokó, uma das lideranças da aldeia.
Para Girleno Xokó, ex-cacique da aldeia, poder contar a história de seu povo é gratificante. “Quando eu era criança, eu ouvia os que agora são ancestrais, falarem, e quando resolvemos participar dessa luta da retomada, eu era muito jovem. Depois nós vimos a conclusão da nossa luta, e hoje eu me sinto realizado porque eu participei das etapas ao longo de toda a minha vida, desde o antes, quando éramos escravizados, o durante, da retomada, do sofrimento das audiências, agressões e da tensão que vivemos, até o resultado da desapropriação da Ilha de São Pedro, e da luta pela Caiçara. Me sinto realizado em estar na bonança, mesmo depois de toda a tempestade”.
Ao completar 46 anos da Retomada, o povo Xokó reforça seu papel na construção de um Brasil mais justo, plural e respeitador da diversidade de seus povos originários. A celebração é, acima de tudo, um lembrete de que a luta indígena é contínua — e profundamente enraizada no amor pela terra, pela cultura e pela vida.
Série Originários e a Festa da Retomada
Para registrar na memória e nas telas esse grande momento que é a Festa da Retomada do povo Xokó, a equipe da série Originários, a primeira série indígena de Sergipe, que conta com recursos da Lei Paulo Gustavo, esteve presente na celebração para acompanhar as narrativas contadas a partir da ótica dos povos originários e das aldeias que resistem em solo sergipano.
A produção da série é da Aláfia Cultural e a direção de Originários conta com a diretora e multiartista afro-indígena, Héloa e com a diretora e produtora executiva, Danne Hinch. Para esta última, estar em território Xokó num momento tão importante, que é a festa da retomada, reforça em toda a equipe da Série Originários, o compromisso de trazer de forma transparente essa história. “Xocó mexe profundamente comigo, sinto há muito tempo essa missão e essa responsabilidade de fazer o que estiver ao meu alcance para contar essa história. Xocó é Sergipe! Xocó é resistência! Viva ao Povo Xokó!”, celebrou a diretora Danne Hinch.
De acordo com Héloa, a presença da equipe de gravação na Festa da Retomada do povo Xokó é um chamado profundo de pertencimento e resistência. “Como mulher afroindígena em retomada, sinto que cada canto, cada passo e cada gesto reafirmam a nossa existência e o nosso direito de permanecer. Registrar este momento enquanto gravo e conduzo a Série Originários, a primeira série indígena de Sergipe, é também reafirmar que nossas vozes precisam ecoar, que nossas histórias precisam ser contadas por nós mesmos. É uma honra poder viver, sentir e narrar esse tempo de retomada, onde passado, presente e futuro se encontram na força do povo Xokó. A retomada é um sentimento amplo, e esse momento é sobre a importância da retomada do território, mas também da identidade e fortalecimento da cultura.”