A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e oficiais das Forças Armadas por tentativa de golpe de Estado foi considerada um dia histórico e um marco na defesa da democracia brasileira por especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Dos condenados, Walter Braga Netto, Mauro Cid, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira se tornaram os primeiros militares condenados por tentativa de golpe de Estado no país.
O ex-mandatário tem pena prevista de 27 anos e 3 meses de prisão, fixada na noite desta quinta-feira (11). Em tese, a pena de Bolsonaro terminará quando ele tiver 97 anos.
O sociólogo e cientista político Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, afirma que é a primeira vez na história do país que uma tentativa de golpe é julgada, não perdoada. “Claro que não é um um tribunal civil que julga militar no Brasil. Mas esse caso específico, o disciplinar, já está definido em lei. Todos aqueles que são julgados e são presos por mais de dois anos, eles têm que perder todos os direitos relativos à função. Então, é isso que é pior. Porque, para um militar, isso é uma desonra”, explica Ricci.
“Quando tinha algum militar no regime militar que estava ligado a um ataque à ditadura, ele era desonrado em público, aparecia na televisão. O militar, ele ficava perfilado, num quartel. Era tudo filmado, a gente via na televisão e eles iam rasgando as patentes do ombro e iam tirando a roupa dele. É uma vergonha para o militar perder a patente”, conta.
O jurista Marcelo Uchôa, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Grupo Prerrogativas, também ressalta a condenação inédita de militares em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “Acho que vivemos um período histórico que nem estamos ainda tendo dimensão de compreender. É a primeira vez que generais de quatro estrelas estão sendo condenados em tribunais civis. É a primeira vez que o Brasil está dizendo que um golpe de Estado não vai ser aceitável, de maneira nenhuma, pelo menos sob a lógica do direito”, aponta.
Ele destaca o peso do voto da ministra Cármen Lúcia, decisivo para a condenação. “Foi um voto muito bonito porque, apesar do tom sereno, ela passa uma tranquilidade muito grande, uma segurança de um jurista excepcional. Foi um voto histórico, dado por uma mulher, e que selou a condenação de um misógino. Achei isso muito significativo porque ela, enquanto ministra e mulher, de alguma maneira, já foi ofendida por Bolsonaro”, observa.
Na sessão do julgamento nesta quinta-feira (11), a ministra formou maioria ao acompanhar o relator Alexandre de Moraes e o ministro Flávio Dino pela condenação de Bolsonaro e dos outros réus por golpe de Estado. Em seguida, Cristiano Zanin confirmou o entendimento. O placar ficou em 4 a 1, já que Luiz Fux votou pela absolvição.
Para Uchôa, a decisão é também um recado claro contra tentativas futuras de golpe. “Mesmo que tenha sido tardiamente, aprendemos que garantir impunidade a golpista é só jogar para frente um problema que se terá mais adiante, que é a tentativa de um novo golpe”, conclui.
Ricci vai na mesma linha e afirma que os ecos do histórico julgamento não podem finalizar com a decretação das penas e que deveriam servir de base para o “currículo de formação do cidadão brasileiro”. “A gente [precisa levar o tema] nas escolas, nas igrejas, dizer claramente que democracia no Brasil tem limite. Que pessoa que fica indo para Palanque e pregando contra o judiciário brasileiro, xingando pessoas, vai preso. E não vai preso por dois anos. Ele vai preso por quase quase três décadas, ele acaba com a vida dele. Isso é um sinal de civilidade”, pontuou.
Resultado de governo catastrófico
Para o cientista político e professor Paulo Niccoli Ramirez, o julgamento representa uma virada de página. “É um grande dia para a democracia brasileira, que representa a vitória das instituições sobre aventuras pessoais e que poderiam colocar em risco várias atividades sociais, não só dos professores progressistas de esquerda, mas também do livre jornalismo. Então é um dia para ser celebrado, em que nós colocaremos na prisão pessoas que tentaram agir com autoritarismo”, comemora, em entrevista ao Conexão BdF desta quinta-feira.
O professor vê a decisão pela condenação como o resultado da atuação do ex-presidente nos quatro anos de mandato. “É uma prisão que resulta de um ponto culminante, de toda a catástrofe do governo Bolsonaro, um antigoverno”, opina.
Segundo Niccoli, a condenação enfraquece o bolsonarismo institucionalmente e marca a história política do país. “Ficará para a história desse país, em todos os livros, em todos os níveis de graduação, escola fundamental, ensino médio, que Bolsonaro foi o primeiro presidente condenado por tentativa de golpe de Estado”, prevê.
Baixa condenação de Mauro Cid é recado
O delator da trama golpista, Mauro Cid, foi condenado a apenas dois anos de prisão em regime aberto. Na avaliação dos ministros da Primeira Turma, o fato de ele ter feito o acordo de delação premiada deveria ser premiado. Para o cientista Rudá Ricci, a decisão dos ministros do STF com relação a dosimetria das penas tem um aspecto político e de organização social que não pode ser desprezado. “Foi falado explicitamente ‘nós temos que valorizar esse instituto da delação’. Inclusive, alguns falaram: ‘olha, ele cometeu crimes gravíssimos, mas nós temos que honrar o acordo que foi feito’”, avaliou.
“Então, no caso dele, especificamente, foi uma sinalização para a delação em casos de crime contra o Estado”, conclui.
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