Muitos nos Estados Unidos vêm reagindo com indignação ao assassinato do influenciador de extrema direita estadunidense Charlie Kirk ocorrido na última quarta-feira (10). Nesta segunda-feira (15), a atriz Whoopi Goldberg foi mais uma que disse em um programa de TV estadunidense que esta não é a forma de o país fazer política.
“Tirar a vida de alguém não é a maneira de fazer isso. Quer lutar por alguma coisa? Então vá às urnas. Vá eleger pessoas diferentes. Matar pessoas não faz nada além de tornar o mundo um lugar horrível para seus filhos”, disse ela ao programa The View da rede ABC.
A repercussão do assassinato ecoou no mundo todo, até mesmo no Brasil. Um levantamento do Poder 360 indica que ao menos 26 pessoas foram demitidas ou suspensas, tanto nos EUA como aqui em território nacional, por terem postado em redes sociais comentários celebrando ou ironizando o assassinato.
Muitos políticos estadunidenses vêm instrumentalizando o caso, ressaltando que o suspeito, Tyler Robinson, teria “ideias de esquerda”. Mais: sua namorada seria uma mulher trans. Robinson, de 22 anos, foi preso na quinta-feira (11) após uma perseguição de 33 horas e espera-se que seja formalmente acusado pelo assassinato no final desta semana.
Mas ao contrário do que vem sendo repetido — tanto por republicanos como democratas —, os dados contam outra história. A violência é parte da política dos Estados Unidos há pelo menos três séculos.
Apenas em termos de presidentes, foram quatro os assassinados durante o exercício do mandato: Abraham Lincoln (1865), James A. Garfield (1881), William McKinley (1901) e John F. Kennedy (1963). Outros três sobreviveram a tentativas: Theodore Roosevelt (1912), Ronald Reagan (1981) e Donald Trump, quando estava em campanha eleitoral, no ano passado.
Ampliando o leque para outros políticos, só neste 2025, a deputada estadual democrata de Minnesota Melissa Hortman e seu marido foram mortos a tiros; um incendiário ateou fogo à residência do governador da Pensilvânia, o democrata Josh Shapiro, e sua família dentro; um agente do Serviço de Imigração e Alfândega foi baleado e ferido do lado de fora de um centro de detenção no Texas; a sede do Partido Republicano do Novo México foi incendiada; e um atirador atacou a sede dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
Ao Brasil de Fato, Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais da UERJ e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/INEU), explica que o assassinato é parte de uma longa tradição de violência política do país e que a diferença para outros casos seja em termos de consequências.
“Observamos uma ampla articulação das redes de extrema direita nos EUA no sentido não só de repercutir o assassinato, mas também de mobilizar a percepção de que há uma crise política mais ampla em andamento, um recurso amplamente utilizado também por Trump, por exemplo, para justificar a intensificação da aplicação de dispositivos securitários, como a Guarda Nacional, sobretudo nos estados de maioria democrata”, disse ela.
“Nesse sentido, penso que este alcance amplificado possa ser um diferencial importante para compreender este evento específico”, conclui.
Mais uma camada de violência
Charlie Kirk, aliado próximo de Donald Trump, era o fundador do grupo político Turning Point, voltado a jovens, e costumava usar plataformas como TikTok, Instagram e YouTube para divulgar seus pontos de vista conservadores, incluindo críticas duras ao movimento pelos direitos das pessoas trans. O fato de Robinson se relacionar com uma pessoa trans foi amplamente usado por comentaristas de extrema direita nas redes sociais, como suposta motivação do crime, e ativistas dos direitos LGBTQIA+ temem um aumento da transfobia nos EUA.
O finado influenciador acumulou uma longa lista de declarações homo e transfóbicas. Kirk invocou um versículo da Bíblia sobre apedrejar pessoas gays “até a morte” em junho de 2024, chamando-o de “lei perfeita de Deus quando se trata de questões sexuais”. Dois anos antes, ele havia dito que pessoas trans são responsáveis pela inflação, sem mostrar qualquer indício de que as duas coisas estejam remotamente relacionadas, e ele também não apresentou nenhuma.
James Green, professor da Brown University, afirma ao Brasil de Fato que há questões de fundo como a facilidade do acesso a armas, tema que os republicanos não querem nem começar a discutir, e a polarização exagerada pela qual passa o país, apesar de apelos de ex-presidentes, como George W.Bush e Obama, por união.
Mas o assunto deve ser ainda mais utilizado por Trump como cortina de fumaça para desviar a atenção de problemas que sua administração não consegue resolver.
“É mais uma maneira de distrair as questões mais importantes da economia, o desemprego que está aumentando, a inflação que está aumentando, e a questão dos arquivos de Epstein”, completa Green.
Ritual como disfarce
As raízes da violência nas dinâmicas da política estadunidense remontam à Idade Média. “A política americana há muito personaliza sua violência. Repetidamente, imaginou-se que o avanço da história dependeria do silenciamento ou da destruição de uma única figura, o rival que se torna o inimigo supremo e desprezível”, diz Maurizio Valsania, professor de História dos Estados Unidos na Universidade de Torino, na Itália.
Em artigo para o site The Conversation, ele conta que um dos primeiros métodos consagrados no país para dissuadir adversários políticos veio da Europa medieval, mas foi amplamente usada nos EUA do século 18. O método do alcatrão e penas consiste em embeber o corpo nu do rival em alcatrão ou piche e depois fazer a pessoa rolar sobre penas.
Remover a meleca obrigatoriamente arrancava pedaços de pele e deixava cicatrizes permanentes.

A violência aumentou no século seguinte, especialmente durante a Guerra Civil (1861 – 1865). Após o conflito que deixou de 650 mil a 850 mil soldados mortos, além de um número incerto de civis, a violência prosseguiu como método de resolver disputas, na forma de duelos de pistola.
“A violência nunca foi uma distorção na política americana. Tem sido uma de suas características recorrentes, não uma aberração, mas uma força persistente, destrutiva e, ainda assim, estranhamente criativa”, prossegue Valsania.
“Até mesmo o homicídio podia ser absorvido pela política quando disfarçado de ritual”, conclui